De O GLOBO
Por WASHINGTON OLIVETTO
É hora de surgir no Brasil uma campanha como Dumb Ways to Die, explicando que o uso correto do celular pode evitar acidentes
Em 2012, a Metro Trains Melbourne, da Austrália, identificou um grande número de acidentes que aconteciam nas estações de trem, com pessoas distraídas olhando as telas do celular. Existiam os choques, os encontrões, os tombos, os atropelamentos em cancelas, até mesmo gente que caía na linha dos trem. O mais trágico era, entre esses acidentados, haver muitas crianças indo ou voltando da escola, que não tinham sido alertadas a respeito do perigo que é ficar olhando o celular em lugares públicos.
Preocupados, os diretores da Metro Trains procuraram a McCann de Melbourne, que aceitou criar gratuitamente uma campanha de utilidade pública, combatendo o problema. Baseado numa ideia simples e objetiva, o publicitário John Mescall criou a campanha Dumb Ways to Die ou, em português, “maneiras estúpidas de morrer”.
Tive a oportunidade de ver esse trabalho em primeiríssima mão, numa reunião do conselho mundial criativo da McCann, de que eu fazia parte. Na hora em que Mescall mostrou o projeto, não tivemos dúvida de que a campanha seria um grande sucesso.
Dumb Ways to Die — que ganhou todos os prêmios da publicidade mundial de 2013/2014 — foi a primeira campanha que ficou extremamente conhecida sendo veiculada exclusivamente no YouTube. Só depois, com o passar do tempo, ganhou outras mídias e virou até videogame.
O trabalho inicial, na verdade, era simples: tratava-se de um desenho animado com traços quase infantis mostrando diversos tipos de acidente. Tudo ao som de uma canção descritiva das cenas, cujo refrão se repetia: “Maneiras estúpidas de morrer. São tantas maneiras estúpidas de morrer. Maneiras estúpidas de morrer. São tantas maneiras estúpidas de morrer”.
Mais que conquistar muitos prêmios, a campanha entrou para a cultura popular e contribuiu para o número de acidentes nas estações de trem e nos lugares públicos da Austrália diminuir sensivelmente.
Acidentes normalmente são descritos como inacreditáveis ou surpreendentes. Em 2013, o piloto Michael Schumacher — que praticava profissionalmente um dos esportes mais arriscados que existe, sem nunca ter tido nenhum problema grave — foi esquiar, coisa que fazia desde criança, e inacreditavelmente sofreu um acidente que o deixou com graves sequelas.
No último mês de agosto, no jogo Fluminense x Argentino Juniors, o lateral esquerdo Marcelo, que jamais foi um jogador violento, surpreendentemente deu um pisão sem querer na perna de Luciano Sánchez, que sofreu uma luxação completa no joelho esquerdo e corre o risco de ter de encerrar a carreira.
Acidentes tão inacreditáveis ou surpreendentes realmente acontecem, mas são exceções. Na verdade, a maior parte dos acidentes é resultado de alguma grande estupidez.
Como dirigir um automóvel olhando o celular, o que é estúpido, mas tem gente que faz. Como dirigir uma moto ou uma bicicleta consultando o celular, o que é estúpido, mas tem gente que faz. Como empurrar um carrinho de bebê prestando atenção no celular em vez de prestar atenção no carrinho, o que é estúpido, mas tem gente que faz.
A obsessão pelo celular nos últimos anos ficou grande, a ponto de existir gente dando mais importância a seu iPhone que à própria vida e à dos outros.
Houve um tempo em que se dizia que isso era um problema dos mais jovens, mas hoje o problema se generalizou. Tem muita gente mais velha grudada no celular o tempo inteiro. Os jovens não melhoraram, mas os mais velhos pioraram bastante.
Está na hora de surgir no Brasil uma campanha como a Dumb Ways to Die, explicando que o bom senso e o uso correto do celular podem evitar acidentes. Só que a campanha no Brasil deve ter um tema mais amplo e emocional, porque existe outra coisa que o celular em excesso está matando: a conversa. Fica todo mundo olhando para o celular, e ninguém mais fala com ninguém.
Maneira estúpida de viver.