Da FOLHA

Por ANTONIO PRATA

Dois fatos me chocaram na defesa que o Monark fez da criação de um partido nazista

Na oitava série eu tinha dois colegas que tocavam o terror. A especialidade do Xandinho no submundo ginasial era derrubar a energia da escola enfiando um clipe aberto na tomada. Celão, por sua vez, garantia seus cinco minutos de fama aspirando um fio dental pelo nariz e pinçando-o com os dedos no fundo da garganta. A seguir, ia e vinha com o cordão gosmento entre a boca e a narina, levando suas catotas a uma incrível jornada interior e arrancando grunhidos de nojo de boa parte da turma. Garantiam, assim, relativo sucesso entre as hostes do fundão.

Naquele passado remoto (circa 1990 d.C.) o mundo ainda era governado por adultos —mal governado, verdade, eram péssimos adultos, mas isso é outro papo. Em algum momento entre o colegial e o fim da faculdade, tinha-se de fazer concessões à vida em sociedade, adequando-se ou direcionando a revolta para vias mais produtivas do que os blackouts escolares ou o fio nasobucal: a arte, o ativismo, o MMA — só para citar algumas boas opções.

Hoje, não. Um idiota que derruba a luz da escola ou é capaz de performar uma higiene dental intracraniana ganha destaque nas redes, vira celebridade com um podcast ou é contratado pela televisão. Taí um inconveniente, não exatamente pequeno, de termos substituído o debate racional baseado em fatos e argumentos pela audiência. Enquanto continuarmos a dar voz não a quem tem o que dizer, mas a quem faz mais barulho, a inteligência seguirá sendo calada pelos arrotos. O presidente que acelerava moto enquanto se aceleravam as mortes por Covid não me deixa mentir.

Dois fatos me chocaram na defesa que o Monark fez da criação de um partido nazista. 1) A defesa da criação de um partido nazista. 2) A existência do tal Monark. Até semana passada, Monark era pra mim só a bicicleta. (Metade da ignorância é minha, admito, da outra metade trata essa crônica).

O Flow é um sucesso. O episódio mais acessado no YouTube passa de nove milhões de visualizações. Apenas meia dúzia de filmes, na história do cinema brasileiro, teve público superior. (Metade da culpa é do cinema brasileiro, vamos admitir, da outra metade trata essa crônica).

Curioso para saber quem seria este gênio da comunicação, fui dar uma conferida no Twitter do Monark. “Um quadro branco nada nele contém porém tudo é possível”. “Eu queria que tivessem (sic) cassinos no Brasil.” “Pra mim a tributação atual no consumo do cigarro apenas estimula o contrabando e não a diminuição do uso. O correto seria reduzir a tributação e investir e (sic) campanhas de desincentivo ao uso.” “A felicidade da vida está em fazer e não em ter.” “Medidas que impõem restrições sociais extremas para quem não se vacinou é (sic) para mim mais nocivo a (sic) sociedade que a doença em si, nós vamos acabar criando uma sub-classe de pessoas marginalizada (sic) e com o tempo isso irá causar revolta social, além de retirar liberdade de milhões.” “Mundo movido por aparências.”

Como se vê, o conteúdo produzido por um dos comunicadores de maior sucesso no Brasil, hoje, é uma mistura de véio da Havan (platitudes reacionárias edulcoradas por um liberalismo banguela) com pílulas de filosofia das antigas coelhinhas da Playboy. A imprensa, juristas, cientistas sociais, autoridades judaicas, eu e você passamos a semana discutindo as asneiras do sujeito, quando os buracos reais a serem encarados são outros.

Onde nós erramos para que o debate público tenha sido dominado pelo fundão do ensino fundamental? Como voltar nossa atenção para a lousa? Ou, se a vitória do fundão for inevitável, como fazer para que seja ao menos uma turma digna, tipo João Gordo, Bukowski, Rê Bordosa e Rita Lee?

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