Da FOLHA

Por JUCA KFOURI

Futebol é refresco para esse doloroso período de prisão domiciliar, mas há efeitos danosos

Não está, ainda, fazendo um ano e meio, amor, mas já faz 365 dias que muitos estão sem sair de casa porque podem em casa ficar.

Não tem sido fácil para ninguém.

A pandemia entre outros males revelou o tamanho da artificialidade das eleições de 2018, incapazes de eleger líderes em quase todo o país, a começar pelo ocupante do Palácio do Planalto, boiadeiro infame que conduz sua gente ao matadouro com indiscutível capacidade de destruição, como jamais havíamos visto no Brasil.

Olhemos para o principal estado da federação, este São Paulo em que vivemos.

O discurso aparentemente iluminista a favor da ciência não encontra ação correspondente.

Entre a marquetagem eleitoreira e a salvação de vidas, a incompetência goleia, como demonstram fartamente, de um lado, as pesquisas que relegam o governador ao papel de mero coadjuvante e, de outro, os recordes de óbitos, internações e números de infectados.

Nem o futebol João Agripino Doria tem coragem de parar, no que tabela com seu companheiro de Brasília.

É evidente que quem gosta de futebol tem um refresco para esse doloroso período de prisão domiciliar ao poder se distrair com os jogos. Quem trabalha com o tema, então, minimiza o sofrimento ao ter assunto para alimentar colunas, comentários e ser pago para exercer seu ofício.

O que não esconde os efeitos danosos do espetáculo causador de aglomerações em bares para ver os jogos, em torno de estádios para comemorar conquistas ou protestar nas derrotas e, mais, por aparentar a normalidade inexistente, porque é impossível convencer uma criança de que ela não pode ir jogar bola quando o Palmeiras está em plena atividade.

Como a mentira virou discurso oficial, a CBF e as federações estaduais, com raras exceções como a catarinense, a paranaense e a acreana, exaltam seus protocolos e afirmam o impossível de se comprovar, que ninguém foi infectado nos gramados.

Mesmo que as propagandeadas restrições de abraços nas comemorações de gols, ou de cuspir no campo, tenham virado tábulas rasas, como sói acontecer.

Neste país de contrastes nos acostumamos a mais um, o de conviver com os negacionistas da vacina, adeptos da cloroquina e bajulados sem caráter pelos que se borram nos ís, e aqueles que aparentam ser das luzes, mas cuja prática segue orientada pelo apagão das trevas.

Assim caminhamos. Mais cedo ou mais tarde, quase sempre mais tarde, a realidade se impõe e as medidas são adotadas à custa de vidas e mais vidas.

Resta o consolo de que a prisão domiciliar imposta pela necessidade do isolamento social é fichinha perto de quem ficou 580 dias privado de liberdade por crime não cometido, obviedade que levou nada menos que insuportáveis cinco anos para ser reconhecida.

Não esperem a rara leitora e o raro leitor a autocrítica dos que foram cúmplices do absurdo, embora vivam exigindo o reconhecimento dos erros dos outros.

Como não esperem, aqui, aplausos aos que colaboraram nas cortes superiores com o tremendo, e impagável, erro judicial, porque a justiça que tarda, falha.

Nada mais nobre que o reconhecimento de nossos equívocos, desde que cometidos sem intenção. Aplausos, em pé, aos que os admitem.

Quando, no entanto, cometidos para ficar bem no filme da maioria cega por campanhas sórdidas, assim devem ser tratados, como parceiros da sordidez.

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