De O GLOBO
Por MARCELO DAMATO
Pandemia
Um dia antes de completar um ano do primeiro caso de Covid-19 no país, o Brasil passou a marca de 251 mil mortes. Esse número faz com que, na proporção da população, esta pandemia supere a quase mítica Gripe Espanhola de 1918-19. Aquela epidemia tem sido o símbolo de desastre sanitário, grave a ponto de ter abortado um movimento para transferir a sede do governo paulista para Campinas.
A Gripe Espanhola registrou 35 mil mortes para uma população de 30 milhões, e é provável que o primeiro número seja bastante subnotificado. Mas é ainda mais verdadeira a ínfima disponibilidade de recursos que o país tinha para combater a doença, comparada aos dias atuais. Veja uma lista muito resumida de recursos úteis hoje e que não existiam há cem anos:
Oxigênio hospitalar. Respiradores. Aparelhos de imagem, como raio-x. Qualquer aparelho elétrico de uso médico. Quase qualquer tipo de equipamento elétrico nos hospitais, exceto algumas lâmpadas e telefone (por exemplo: não havia ventiladores, elevadores etc.). Antibióticos, anti-inflamatórios e a maioria dos produtos farmacêuticos nos níveis atuais. Testes para detecção da doença. Limpeza regular dos hospitais. Máscaras não caseiras. Elásticos, luvas sintéticas e qualquer tecido sintético. Álcool gel e controle de qualidade do álcool. Quartos individuais ou para poucos pacientes. UTIs. Transportes aéreos e terrestres. Fornecedores internacionais. Vacina. Seringas descartáveis. Esterilização regular de equipamentos. Mídia de massa para difusão de informações. Iluminação elétrica nas ruas — salvo eventuais exceções mínimas.
Em compensação, eram muito maiores a pobreza, a desnutrição e as moradias insalubres e multifamiliares. Era menor o hábito de lavar as roupas com frequência, havia uma virtual inexistência de higiene bucal e das mãos.
Naquela época, a genética ainda engatinhava, pouco se conhecia das células e de vírus. Equipamentos simples como estetoscópios e termômetros eram raros e caros. Equipamentos de proteção hospitalar quase se limitavam a aventais, quando existiam. Não havia meios para monitorar a expansão da doença (em contrapartida, a baixa densidade populacional e a precariedade dos transportes da época deve ter reduzido a velocidade de disseminação do vírus).
Já pensou que nunca se falou em variantes do vírus da Gripe Espanhola? Claro, ninguém nem suspeitava o que poderia ser.
Para piorar, grande parte da população creditava a doença a fatores sobrenaturais. Apenas um ponto, a falta de oxigênio em Manaus, que catapultou a taxa de mortalidade naquela cidade, já indica que, se o Sars-Cov-2 tivesse chegado cem anos antes, a mortalidade teria sido imensamente maior.
Não é um erro grosseiro supor que quase todas as pessoas que foram entubadas ou receberam doses severas de anti-inflamatórios foram salvas por esses recursos. Embora não haja registro confiável de quantas pessoas foram atendidas em UTI, sabe-se que equivale a algumas vezes o número de mortos, possivelmente mais de 1 milhão de pessoas.
Somados aos que deixaram de morrer por outros fatores, não é esdrúxulo pensar que, se combate algum a epidemia poderia ter ceifado 2 ou 3 milhões de vidas.
Um ano após a primeira morte, a epidemia atingiu seu ápice — até agora. Mesmo que por ora o efeito seja pequeno, é certo que a vacina vai limitar o número de mortes.
E nada deve limitar nossa capacidade de concluir de que esta não é apenas a pior crise sanitária em 101 anos. É possivelmente a pior da História do Brasil. E merece ser encarada como tal.
Na gripe espanhola os problemas eram técnicos. Na covid 19, no Brasil, é um presidente idiota e babaca chamado Bolsonaro, um metido a filósofo que vê conspiração comunista até na mãe dele chamado Olavo de Carvalho e um povo palhaço, mal educado que só pensa em rebolar a bunda em baile funk.