Emoções à flor da pele

Por SÓCRATES

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Ao longo do mês de julho, pudemos mais uma vez acompanhar uma das principais competições esportivas do planeta: o Tour de France. Aqui, em terras brasileiras, temos pouquíssimos adeptos do ciclismo, talvez por falta de tradição, ainda que a bicicleta continue sendo um dos bens de consumo mais sonhados pela garotada e meio de transporte de uma maioria silenciosa que tem dificuldade de acesso ao transporte público.

Contudo, para que esse veículo sirva verdadeiramente como meio de transporte são necessárias superfícies suficientemente planas para viabilizar a locomoção. Sem embargo, nas provas que atravessam o território francês e algumas localidades de países vizinhos, o que vemos em várias de suas etapas é a tentativa do homem de extrapolar os seus limites físicos: ao subir montanhas íngremes e assustadoras, umas após outras, sem medo do imenso desafio. Só mesmo a paixão pelo esporte pode explicar tamanha força de vontade.

Bendita paixão. Esse sentimento é o mais vigoroso e arrebatador de todos os que podemos vivenciar. Quando estamos apaixonados, todo o resto é secundário. A única força de que necessitamos é a presença da razão de nossa paixão – física de preferência.

A sua imagem não nos sai do pensamento e todas as ações estão voltadas para ela. Talvez essa seja a característica mais marcante da existência humana. Sem a paixão, a vida passa a ter um sentido menor, torna-se mais cinzenta e triste, os dias ficam mais longos e cansativos. Não há brilho, não há cores. Um verdadeiro caos.

Muitos fazem todas as loucuras possíveis por uma paixão. Falo de paixão por outrem. Paixão pelo semelhante, o que neste caso se torna mais parecido do que realmente é.

Existem, no entanto, paixões por muitas outras coisas. Por desafios, por aventuras ou por algo que para muitos pode parecer menor. No esporte, não é diferente. Alguns deles, como o acima citado, nos lembram algo insano, ilógico ou acima das capacidades humanas. Como neste caso de competições que levam, inevitavelmente, os esportistas à exaustão ou muito perto dela, dependendo do estágio físico dos (super) atletas.

Há alguns anos, quando um amigo, companheiro do Corinthians, apaixonou-se pela sua futura mulher, transformou-se. Ele, até então pouco preocupado com qualquer coisa que fosse, apegou-se de tal forma a esse sentimento que quase joga fora a sua carreira esportiva. Por paixão, tudo vale!

Poucos dias depois de conhecê-la, tivemos de voar ao Japão para realizar uma excursão de duas semanas. Notamos que ele estava muito diferente do que sempre fora. Em vez de expansivo e alegre, estava calado e triste. Encostou-se na sua poltrona, quase nada falou durante as 24 horas de viagem.

Quando lá chegamos, ele provocou o que talvez tenha sido a primeira reunião importante da Democracia Corintiana – para discutir uma possível volta antecipada para casa e poder revê-la imediatamente.

Alguns argumentaram que aquele gesto poderia atrapalhar os seus planos profissionais e que deveria tentar suportar a ausência da melhor forma possível. Foi quando outro companheiro pediu a palavra. E expôs que em nossa profissão tínhamos de passar por muitas coisas difíceis, pois ficávamos muito tempo longe das pessoas queridas. Nem ao enterro de seu pai ele tivera oportunidade de comparecer em razão da distância que o separava do local da cerimônia. Aquela revelação nos derrubou. E todos se conformaram em carregar a saudade por quinze longos dias.

Aquele desespero representava o êxtase, a comunhão de sentidos, a felicidade plena. Nada, nem mesmo a vivência física do sentimento, é maior do que aquilo que rumina na alma. Nem o sexo é fundamental. Quando estamos apaixonados, parece que o foco do sentimento somos nós mesmos. Vemo-nos com muito mais carinho e respeito, acreditamos piamente estar acima de qualquer eventual restrição colocada pelo cotidiano. A paixão nos torna fortes como jamais supúnhamos.

E este verdadeiro choque nos potencializa em tudo o que fazemos. Inclusive no trabalho. Principalmente para quem pratica algum esporte ou exerce um ofício ligado a qualquer ramo artístico.

Com as emoções à flor da pele, podemos expressar com maior intensidade o nosso talento e o resultado é excelente. Só assim, além da excepcional capacidade funcional, um atleta consegue ultrapassar os obstáculos aparentemente intransponíveis como nos Pirineus ou nos Alpes franceses.

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