Da FOLHA

Por REINALDO JOSÉ LOPES

Pontífice muito provavelmente será o primeiro chefe da Igreja Católica a comparecer à conferência anual do clima

Nunca pensei que sentiria necessidade de me referir aos inconfundíveis vocais do roqueiro gaúcho Humberto Gessinger nesta coluna, mas é o jeito: tudo indica que, neste ano, o papa não só será pop, no dizer daquela velha canção, como também estará na COP.

Conforme noticiou esta Folha, Francisco muito provavelmente será o primeiro chefe da Igreja Católica a comparecer à conferência anual do clima organizada pelas Nações Unidas, que chega à sua 28ª edição e será realizada a partir do fim deste mês em Dubai. COP é a sigla de “conferência das partes” (ou seja, os países que são partes signatárias da Convenção do Clima da ONU), além de permitir a minha rima assumidamente infame com “pop”.

Peço a paciência do leitor para um último trocadilho musical: o problema de Francisco é que a COP não poupa ninguém. Após quase 30 anos de reuniões, a situação infelizmente é a seguinte: 1) o diagnóstico científico sobre a gravidade da emergência climática nunca foi tão preciso; 2) os desastres provavelmente derivados dela não param de se multiplicar; 3) a ação contra o problema, porém, continua muito aquém do necessário.

Os mais céticos diriam, possivelmente com razão, que nem o sucessor de são Pedro seria capaz de mudar esse cenário. O pontífice argentino apenas acrescentaria sua voz ao interminável blá-blá-blá de chefes de Estado com pouca capacidade e/ou vontade política real de enfrentar os desafios do clima.

Se não é sensato esperar que Francisco produza sozinho uma mudança repentina nas ações globais contra a emergência climática, vou me dar ao luxo de ter algum otimismo –e, por que não dizer, fé mesmo– no papel que ele tem desempenhado. O jogo que o papa está jogando tem um olho na diplomacia e na política deste momento e outro num cenário muito mais amplo.

A prova disso está nos dois documentos mais inovadores e importantes de seu pontificado, a encíclica “Laudato Si’”, de 2015, e a exortação apostólica “Laudate Deum”, de outubro deste ano. Não é pouca coisa empacotar todos os pontos essenciais do consenso científico sobre a crise ambiental num formato capaz de dialogar com quase 1,4 bilhão de católicos, como fazem esses textos. Mas o magistério papal de Francisco vai além disso.

Primeiro, ele percebeu que os riscos climáticos e ambientais colocam contra a parede principalmente as populações mais marginalizadas, as mesmas a quem escolheu dedicar a maior parte de seus esforços como pontífice. Em segundo lugar, o pontífice tem deixado claro que meros remendos econômicos e tecnológicos não são suficientes para resolver o problema. Não há saída a não ser reconhecer que vivemos num planeta finito, que não subsistirá caso insistamos na ilusão de consumo infinito de recursos.

Em terceiro lugar, talvez a barreira mais difícil para estimular o engajamento dos cristãos na causa ambiental é o peso teológico milenar de um pensamento que inferioriza todas as formas de vida e as coloca a serviço do ser humano. O pontífice se dispôs a enfrentar esse desafio no espírito do santo de quem emprestou seu nome papal, são Francisco de Assis.

“O paradigma tecnocrático pode nos isolar daquilo que nos rodeia”, escreve ele em “Laudate Deum”. “A cosmovisão judaico-cristã defende o valor peculiar e central do ser humano, mas hoje somos obrigados a reconhecer que só é possível defender um ‘antropocentrismo situado’, ou seja, reconhecer que a vida humana não se pode compreender nem sustentar sem as outras criaturas. De fato, nós e todos os seres do Universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal.”

“Comunismo! Paganismo!”, urrarão alguns padres corrompidos pelo vírus do olavismo. O nome verdadeiro disso na teologia cristã, porém, é “metanoia” –conversão, mudança de mentalidade. Que ela se transforme em ação.

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