Da FOLHA
Por CYNTHIA ARAUJO
Ator Matthew Perry, de Friends, morre em sua casa
Ontem de manhã dei uma aula online em uma faculdade no Paraná. Conversamos muito sobre finitude. “No trailer do filme ‘Nosso Sonho’, Buchecha diz que Claudinho o ensinou que a vida termina. De repente”, falei.
Contei que o primeiro texto do Morte sem Tabu assinado por mim junto da Camila Appel e da Jéssica Moreira foi quando a Marília Mendonça morreu, de forma tão abrupta.
Disse aos alunos que sempre penso no fato de que algumas pessoas saudáveis sairão de suas casas, todos os dias, e morrerão em circunstâncias inesperadas. E que poderiam – e podem – ser eu ou você.
Mas é um susto. Sempre é.
Mesmo que eu não pensasse no Chandler há meses, ou anos, não sei; mesmo achando que minha conexão existe não com ele, mas com o que ele foi mais de 20 anos atrás, nada disso diminui o choque de saber que Matthew Perry não está mais vivo.
Talvez Friends (1994 – 2004) tenha sido mesmo uma cópia de Living Single e provavelmente contribuiu para reforçar diversos tipos de preconceitos e estereótipos. Mas existe um vínculo afetivo forte entre muitas pessoas da minha geração e seguintes com aqueles seis amigos em dois apartamentos de Nova York.
Na minha primeira vez na cidade, em 2002, fiz um tour na NBC e me senti muito especial saindo da loja com uma camiseta preta oficial da série. “Que coisa brega comprar a camisa de um lugar e já sair usando”, uma vez meu pai me falou.
Não me importei, estava orgulhosa e a exibi bastante por muitos meses. Acho que até hoje guardo um folheto convidando para um passeio no Central Perk, com direito à presença do Gunther (James Michael Tyler), falecido há 2 anos.
Confesso que a graça que via 20 anos atrás já não era a mesma nos últimos tempos, quando por acaso assistia a algum episódio da série na televisão do avião. Mas a relação com o passado permaneceu intacta. Até hoje.
Hoje, alguma coisa termina, mesmo que aqueles jovens já tivessem, de certa forma, terminado há muitos anos.
As dezenas de homenagens prestadas no meu Instagram não deixam dúvida. Aquele personagem com comportamento tragicômico, que fazia rir, mas de certa forma era triste, marcou a vida de muita gente. Em especial daqueles que como ele, como eu, podem agir constrangedoramente se ficarem desconfortáveis.
Chandler era o melhor amigo que alguém poderia ter. O companheiro verdadeiro da esposa que queria muito, mas não conseguia engravidar. Chandler tinha um escritório bonito no trabalho, mas, de alguma forma, as pessoas riam dele. E ele ria de si mesmo.
Nunca estamos preparados para o fim repentino, sem despedida. Mesmo que essa despedida seja em abstrato, sem qualquer probabilidade de existir no mundo real.
Acho válido arriscar que quase nenhum fã acreditava que um dia teria a chance de cruzar com Matthew Perry por aí. A maioria talvez nem mesmo se lembre de filmes famosos feitos pelo ator: “17 outra vez” e “Meu vizinho mafioso“, os que me ocorrem de imediato.
Isso não diminui nosso luto coletivo. Talvez até aumente, porque dá aquela sensação de que poderíamos ter aproveitado um pouco mais enquanto ainda havia tempo. Mesmo que isso significasse apenas rebobinar a vida duas décadas e habitar um mundo em que nós dois ainda existíamos.