De O GLOBO

Por FERNANDO GABEIRA

Os últimos acontecimentos no interior do PL mostram que o bolsonarismo não tarda muito a virar a mesa

Um dos problemas de estudar a História da extrema direita é que, às vezes, durmo no sofá e tenho curtos pesadelos. Supremacia branca, antissemitismo, homofobia, raiva de mulheres — cada grupo tem seu gosto, e juntos formam a chamada direita alternativa — alt-right.

Uma coisa que aprendi nas horas de estudo e vigília é que a extrema direita tem uma tática de escandalizar para emergir no chamado mainstream. Foi assim quando Hillary Clinton, nas eleições de 2016, mencionou a alt-right. Muitos grupos celebraram por terem sido citados.

— Conseguimos entrar na cabeça dela — postaram nas suas redes.

Sou pai de professora e tenho tudo para estar indignado com o deputado Eduardo Bolsonaro, que comparou os mestres brasileiros a traficantes de drogas.

No entanto não posso deixar de colocar sua fala no contexto, como dizíamos antigamente. O pai foi derrotado na votação da reforma tributária.

Nesse quadro de isolamento, uma tábua de salvação é precisamente dizer algo bombástico. Os adversários comentam e movem processos, o próprio governo manda investigar.

Um encontro insignificante de pessoas que defendem armas acaba tendo uma divulgação que o salvou de passar completamente em branco, ou em cinza, dependendo de como se avalia o anonimato.

Sempre se pode questionar a racionalidade política de quem escolhe frases bombásticas para marcar posição. Mas a análise básica é que existe um sistema opressor, e quem se levanta contra ele, não importa como, acaba ganhando adeptos. Em outras palavras, vivemos na matrix e precisamos distribuir pílulas vermelhas da rebeldia. Isso pode ter acontecido num certo momento. Mas é conjuntural.

A extrema direita personificada por Bolsonaro caminha para anos difíceis. Assim como Trump, com o Partido Republicano, Bolsonaro também se abriga em partidos que não criou. Ambos são uma espécie de hóspedes barulhentos que exigem seus direitos com base nos votos que atraem.

O bolsonarismo já implodiu um partido, o PSL. A bancada eleita em 2018, na esteira do líder carismático, se liquidou em lutas fratricidas. É previsível que se destruam. Foram formados num contexto de redes sociais, guiados pela lógica algorítmica, confrontos, trolagem e indignação.

No período pré-digital, os quadros se formavam com reuniões presenciais, assembleias, formação de correntes, trocas e discussão de documentos. O processo de se iniciar na política implicava um certo aprendizado em negociação, num nível de tolerância com as ideias diferentes.

As novas lideranças formadas pela direita privilegiam as redes e usam seus smartphones, como crianças egocêntricas. Sua sobrevivência depende do confronto, do atrito e da sensação.

De uma certa maneira, é fácil prever que não se acomodam num partido de direita tradicional e que vão fustigá-lo como a alt-right fustiga os republicanos.

Há uma diferença talvez no tratamento do adversário mais próximo. Como a luta racial e também sexual tem um peso marcante nos Estados Unidos, os conservadores moderados são tidos como machos beta pela alt-right. Aqui no Brasil, como o perigo do comunismo ainda é um grande tema, são tratados como melancias, verdes por fora, vermelhos por dentro.

Mas o fato nacional, diferente dos Estados Unidos e da própria Europa, é o que o principal nome da extrema direita não pode concorrer. Isso dá fôlego, mas, se não houver uma tática correta para isolá-la e se o mundo político ficar de costas para a sociedade, tudo pode acontecer. Bolsonaro foi produto de um momento, novos momentos trazem consigo novas produções.

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