Desde 2019, Roberto Andrade, ex-presidente do Corinthians, era investigado sob acusação de ‘roubar’ a empresa ‘Nova Veículos’, da qual era proprietário minoritário – e foi expulso pelos ex-sócios.
Segundo Mauro Salerno, um dos denunciantes, o cartola movimentou dois esquemas de desvios que resultaram em grandes prejuízos à empresa.
Num deles, até repasse de dinheiro foi encontrado em sua conta por suposta parceira que está presa, acusada pelo golpe.
Deste caso, Roberto não foi julgado.
As acusações, das quais foi estranhamente absolvido na última sexta-feira, apesar de três testemunhas corroborarem a versão dos acusadores, além de farta documentação comprobatória levantada pela promotoria, colocavam o ex-mandatário alvinegro como contratante de empresa ‘fake’ para realizar consultoria – nunca comprovada, gerando desfalque, neste caso, superior a R$ 1,5 milhão.
Detalhe: enquanto presidente do Corinthians, Roberto trouxe a mesma ’empresa’ para prestar serviços ao Timão, mas por valores ainda mais expressivos.
Inconformado, o MP-SP, ontem, recorreu da Sentença.
Abaixo os principais trechos da argumentação:
GEAN CARLOS BARBOSA e ROBERTO DE ANDRADE SOUZA foram denunciados e processados como incursos
nas penas do delito previsto no artigo 171, caput, c.c. artigo 29, ambos do Código Penal porque, segundo consta da denúncia, no dia 16 de junho de 2015, em local incerto, mas nesta cidade e Comarca, em concurso de agentes e com unidade de desígnios, obtiveram, em proveito comum, vantagem ilícita no valor de R$ 1.550.000,00 (um milhão, quinhentos e cinquenta mil reais), em prejuízo da empresa Nova Distribuidora de Veículos Ltda, representada por Mauro Antônio Salerno.
Em 23 de junho de 2023, foi prolatada a r. sentença (fls. 589/592), julgando improcedente a ação e absolvendo ambos acusados, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
O MINISTÉRIO PÚBLICO, inconformado, apelou, para a reforma da r. sentença, para que a ação seja julgada procedente, condenando-se GEAN CARLOS BARBOSA e ROBERTO DE ANDRADE SOUZA pelo crime de estelionato narrado na denúncia.
A materialidade e a autoria do crime estão devidamente comprovados pelas petições de fls. 08/15 e 141/150, termos de depoimentos de fls. 151/152, 306, 386/387, 389/390 e 419, e por toda prova oral produzida em juízo.
Houve o oferecimento de proposta de Acordo de Não Persecução Penal, porém os réus não a aceitaram (fls. 454 e 470/471).
Segundo consta da denúncia, ROBERTO DE ANDRADE SOUZA, sócio minoritário da empresa Nova Distribuidora
de Veículos Ltda, ajustou com GEAN CARLOS BARBOSA, proprietário da pessoa jurídica Fort Paulistana Assessoria em Gestão Empresarial Ltda, a obtenção de vantagem ilícita em prejuízo da empresa vítima, mediante meio fraudulento.
Assim, ROBERTO, sócio minoritário da empresa vítima, firmou contrato de prestação de serviços de consultoria e
assessoria com a empresa Fort Paulistana Assessoria em Gestão Empresarial Ltda, de propriedade de GEAN, no valor de R$ 1.050.000,00 (um milhão e cinquenta mil reais), pagos em 15 (quinze) parcelas de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), mais o veículo BMW M6/Gran Coupé, placas FWW-1555, avaliado em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais),
conforme cópia do contrato de fls. 41/45.
O referido contrato se destinava, em tese, ao fim específico de auditoria contábil, fiscal e financeira, embora já houvesse sido contratados pela vítima uma empresa de auditoria externa, por valor muito inferior ao contrato fraudulento, e um escritório tributarista.
Ainda, tal contrato não foi apresentado aos setores da empresa vítima que seriam responsáveis pela sua aprovação.
Após o término do prazo do contrato, em dezembro de 2017, Mauro Antônio Salerno constatou que os serviços ajustados não foram prestados e que a contratação, na verdade, consistiu em uma fraude.
Ao ser formalmente questionado pela empresa vítima sobre o ocorrido, ROBERTO abandonou o seu local de trabalho.
A empresa vítima ofertou representação pelo crime de estelionato (fls. 102/103).
Em solo policial, os denunciados negaram a prática de crime (fls. 147/148 e 302)
Em Juízo, o representante da empresa vítima, Mauro Antônio Salerno, narrou que houve, sem o seu consentimento, a realização de um suposto contrato para assessoria tributária e nenhum serviço foi realizado. Os fatos ocorreram em período no qual houve o falecimento e doenças de seus parentes.
ROBERTO não tinha poderes para tanto.
Não foi prestado nenhum tipo de serviço e houve adiantamento de pagamento de vultoso valor.
Após os eventos, discutiu com ROBERTO e, como não houve solução da questão de maneira amigável, tomou providências para apuração do crime.
As testemunhas Sueli Ferraz e Andreia Jascinto da Silva, gestoras da empresa vítima, aduziram que o contrato foi realizado sem conhecimento da vítima Mauro e que os fatos ocorreram em momento de delicadeza, em razão de problemas pessoais dele.
Não foi prestado serviço algum, porque já havia sido contratada uma outra empresa que realizava esse tipo de consultoria e auditoria.
A testemunha Ademir Zanetin, outro funcionário da empresa-vítima, disse que apenas trabalhava com a parte burocrática dos pagamentos da empresa e que os responsáveis pela questão eram Sueli e Andreia.
Ambos os réus negaram os fatos. ROBERTO afirmou que possuía poderes para realizar a contratação e que Mauro participou dela, bem como que houve prestação de serviços, tanto que houve a redução de tributos. GEAN, por sua vez, disse que não houve crime porque os serviços contratados foram prestados.
Note-se que a versão dos réus se encontra isolada nos autos, porque é contrariada pelos depoimentos da vítima e das
testemunhas ouvidas, as quais, de forma uníssona e coerente, afirmaram que houve uma contratação indevida, sem o
consentimento do responsável e mediante o pagamento de expressivo valor econômico, sem que tenha havido prestação de serviços pelo contratado.
No caso em tela, os réus sequer souberam explicar como teriam, em tese, prestado os serviços à empresa vítima.
Eles sequer juntaram documentos que pudessem comprovar assim terem agido, dizendo que não possuíam cópias dos expedientes realizados.
Tal fato destoa e muito da natureza do serviço ora discutido.
Além disso, não houve a comprovação de que ROBERTO possuía poderes para realizar a contratação impugnada nos autos.
Não é demais mencionar que as declarações da vítima em delitos patrimoniais possuem enorme relevância para o conjunto probatório, porque, em crimes dessa natureza, geralmente cometido às ocultas, é a pessoa contra quem se imputou o crime quem deveria produzir aptas à corroborar a sua negativa e, assim, gerar ao menos dúvida razoável
quanto à prática do delito.
Nesse contexto, o conjunto probatório revela que os apelados praticaram o crime narrado na denúncia.
Ante o exposto, requeiro o conhecimento e provimento do presente recurso, para que seja reformada a r. sentença, a fim de que a ação seja julgada procedente, condenando-se os apelados GEAN CARLOS BARBOSA e ROBERTO DE
ANDRADE SOUZA, como incursos nas penas dos artigos 171, “caput”, c.c. o artigo 29, ambos do Código Penal, nos exatos termos das alegações finais ministeriais.
LUIZ OTÁVIO ALVES FERREIRA
PROMOTOR DE JUSTIÇA