Da FOLHA

Por NABIL BONDUKI

Só se surpreende quem está desinformado sobre a visão de mundo do Movimento Brasil Livre

Confesso que não fiquei surpreso com o papo sexista e machista do Mamãe Falei na Ucrânia.

As declarações são muito chocantes e precisam ser punidas, mas só se surpreende com elas quem não o conhece ou está desinformado sobre a visão de mundo do Movimento Brasil Livre (MBL), partido informal que é marcadamente machista.

Os que agora condenam o deputado mas tem o MBL como aliado e parceiro são hipócritas: ou pensam igual a ele mas tem vergonha de se manifestar em público ou são oportunistas que querem se aproveitar da audiência que eles têm nas redes sociais para tirar benefício político.

Resta saber em qual dessas categorias se enquadra o presidente Bolsonaro, apoiado por eles em 2018 e o ex-juiz Sergio Moro, candidato a presidente que o grupo irá apoiar nesse ano e que disse que jamais comungará com visões preconceituosas que inclusive podem ser configuradas como crime.

Mas quem acompanha o pensamento político e a visão de mundo desse sujeito e de seu MBL sabe que dali já saíram muitas manifestações preconceituosa e machistas. O que surpreende é que, apesar disso, a receptividade desse “movimento” na chamada 3ª via é enorme.

“Congresso do MBL vira ode a 3ª via” foi título de reportagem da Folha. Nele estiveram presentes cinco presidenciáveis desse campo político: João Doria e Eduardo Leite (PSDB), Luiz Henrique Mandetta (DEM), Luiz Felipe d’Ávila (Novo) e o preferido da rapaziada, o ex-juiz Sergio Moro (Podemos). O prestigio deles ainda é grande, apesar da avaliação de Celso de Barros de que estariam em declínio.

erá que os candidatos de direita que querem ser uma alternativa a Bolsonaro não sabem das barbaridades promovidas ou faladas por militantes do MBL? Como sintetizou Nina Lemos, em sua coluna no Universa UOL: “A misoginia é uma das bases do MBL”.

Arthur do Val fez aqueles áudios ofensivos às mulheres ucranianas, brasileiras e de todos o mundo com tanta naturalidade, na Semana da Mulher, porque o machismo é o padrão de comportamento do MBL. Longe de ser uma atitude isolada, sua fala é a regra nesse grupo.

Renan Santos, coordenador do MBL e companheiro de Val na viagem à Ucrânia, em um vídeo no YouTube, verbaliza esta visão: “Essa mulherada está difícil, tá dureza esse feminismo, tá enchendo os culhões. E aí você começa a ficar neurótico. É uma mentalidade anti-homem.”

Francine Galbier, uma estudante que integrou a equipe de comunicação do MBL, convidada por Santos porque as lideranças do grupo sentiam falta de “uma figura feminina de destaque dentro do MBL”, diz que deixou o movimento “porque já não se identificava com ele, e não fazia sentido permanecer, principalmente em um ambiente extremamente machista”.

Francine afirmou que se arrependeu do que fez e reconheceu que a sua atuação no MBL ajudou a contribuir para uma “onda de desinformação”. “Eu me arrependo de ter falado algo contrário ao movimento feminista. Recebi orientações do que era para falar e, depois, percebi que fiz um papel ridículo.”

Em 2016, Arthur do Val e Renan Santos foram ao Colégio Estadual do Paraná (CEP), uma das 850 escolas que estavam ocupadas no Paraná, fazer uma reportagem para o canal do YouTube do agora deputado.

Após uma negativa dos estudantes em responder às perguntas provocativas de Arthur do Val e de proibir sua entrada na escola com a formação de uma barreira humana, “ele começou a assediar. No cordão de isolamento, ele empurrava as meninas pelos seios. Nós estávamos simplesmente protegendo o prédio”, disse uma estudante.

Não bastasse o assédio físico, Arthur assediava verbalmente menores de idade dizendo coisas como: “linda, me dá um beijo”, “gostosa”. Outra estudante relata: “ele virava a câmera [ocultando o rosto] e mandava beijinhos para as meninas”.

Como não conseguiu entrar, “ele ficou agressivo e provocativo”. “Em um momento, falou que me achou uma gracinha, falei ‘cara, me respeita, tenho noivo’, mas ele falou ‘vai dizer se você fosse solteira, você não ficava comigo?”, lembra Isabele, outra estudante.

Esse evento levou Arthur do Val a ser investigado por atentado violento ao pudor pela Delegacia da Mulher, por expor adolescentes a situações vexatórias e degradantes.

Em 2014, Kim Kataguiri, um dos líderes do MBL e deputado federal, publicou no Twitter: “Sabe qual é a semelhança entre feminista e miojo? Elas ficam prontas em três minutos e são comida de universitário.” Piadas e brincadeiras machistas são frequentes no grupo.

Em um vídeo de 2018, que viralizou, Renan Santos faz um jogral junto com um grupo do MBL, onde faz uma “brincadeira” que termina com todos repetindo em coro que se uma mulher não permitisse a entrada deles em um bar ela seria estuprada.

Em um vídeo publicado por Santos, onde ele ataca as políticas afirmativas de gênero, que seriam um absurdo, Kataguiri afirma: “As mulheres ganham 20% menos do que os homens, mas não é verdade que isso acontece porque a sociedade é machista e patriarcal”. Santos arremata: “Isso pode ocorrer porque a mulher uma capacidade menor de dizer não”.

Santos é contra as políticas afirmativas porque, na lógica liberal, de liberdade econômica, que o MBL defende, “o mercado deve definir livremente a remuneração do trabalhador”.

Longe de ser uma manifestação isolada e infeliz, feita em um momento de euforia, como se defendeu o deputado ao voltar para o Brasil (falar em euforia em meio a refugiados e refugiadas de guerra já mostra a insensibilidade do rapaz), o machismo e a misoginia são estruturais no MBL.

Na Semana da Mulher, não é apenas Arthur do Val que deve ser investigado e punido, mas o próprio Movimento Brasil Livre.

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