De O GLOBO

Por BERNARDO MELLO FRANCO

Futebol na pandemia

Entre 40 milhões de rubro-negros, só um podia dizer que conquistou a América duas vezes. Jorge Luiz Domingos integrou a comissão técnica do Flamengo nas Libertadores de 1981 e 2019. Foi massagista das duas gerações mais vitoriosas do clube, onde trabalhou por quase quatro décadas.

Jorginho morreu no início de maio, vítima da Covid. A tragédia comoveu os atletas, mas não interrompeu a cruzada dos cartolas contra a quarentena. Duas semanas depois, o Flamengo atropelou decretos do estado e da prefeitura e retomou a rotina no Ninho do Urubu. No dia do treino clandestino, o presidente Rodolfo Landim voou para Brasília e almoçou com Jair Bolsonaro.

O repasto uniu dois negacionistas que ignoram ou fingem ignorar a gravidade da pandemia. Eleitos no fim de 2018, Landim e Bolsonaro forjaram uma aliança de interesses. A tabelinha colou a imagem do Flamengo, que já teve nove jogadores infectados, à extrema direita no poder. Uma mistura entre bola e política que ofende torcedores e desonra as tradições do clube.

No dia 18, o rubro-negro liderou a volta açodada do Campeonato Carioca. O Fla bateu o Bangu por 3 a 0, num jogo sem público e sem transmissão de TV. No mesmo dia, dois pacientes morreram no hospital de campanha ao lado do Maracanã. Bolsonaro ameaçou ir ao estádio, mas desistiu após a prisão do amigo Fabrício Queiroz.

O coronavírus adiou a Olimpíada, cancelou o torneio de Wimbledon e parou o circo da Fórmula 1. Nada disso convenceu a cartolagem a esperar um pouco mais pelo Carioquinha. Botafogo e Fluminense reclamaram, mas terão que voltar hoje aos gramados. Em outra partida inadiável, o Madureira enfrentará o Resende.

O técnico do alvinegro, Paulo Autuori, resumiu a situação como uma “bandalheira”. “Não há a mínima preocupação de salvar a integridade dos jogadores”, protestou. Em entrevista ao GLOBO, ele definiu a Federação de Futebol do Rio como “feudo”, “grande mamata” e “federação dos espertos”. Por dizer o que todos pensam, recebeu 15 dias de gancho.

A punição ao treinador combina autoritarismo e hipocrisia, duas faces do Brasil de 2020. Na sexta, o procurador André Valentim disse ao Tribunal de Justiça Desportiva que Autuori “ofendeu e denegriu” a imagem da Ferj. A entidade ganhou fama nas mãos de Eduardo Viana, o Caixa d’Água, que chegou a ser afastado por sumir com a renda do Maracanã. Há 14 anos, é comandada por Rubens Lopes, discípulo de Eurico Miranda e Castor de Andrade.

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