Da FOLHA

Por MARILIZ PEREIRA JORGE

Parece que alcançamos alguma igualdade no país: agora todo mundo toma dura

“Não adianta prender, tem que matar”

Ouvi essa declaração do policial militar que revistava o carro em que eu estava com dois colegas de trabalho, sexta (3).

Nossa viagem foi interrompida, por volta das 17h, quando passávamos por uma blitz na altura de São Conrado, a caminho da zona sul do Rio.

Assim que o carro foi parado, o motorista mostrou o documento, que estava em ordem. O policial mandou que saltássemos. Começou a revistar o meu colega, olhou dentro do carro, deu a volta em direção ao banco do passageiro, abriu o porta-luvas e pediu para que abrissem a mochila que estava no chão.

Outra colega, dona da mochila, ficou surpresa e perguntou se ele poderia fazer aquilo. É uma pergunta razoável, as pessoas deveriam ter direito de saber por que são revistadas. Sem resposta.

Sim, ele pode parar carros, revistar pessoas. E a gente sabe que isso é corriqueiro na periferia da cidade, onde o pobre é sempre bandido até que prove o contrário, se não for morto antes.

Mas não estava claro o porquê daquela ação. Em sete anos morando na cidade, já passei por Lei Seca, fiscalização de documentos, mas não por revista, ainda mais em plena luz do dia. Perguntei qual era o problema. Algum assalto nas redondezas? Crime com morte? Havia uma busca por bandidos?

O policial, incomodado com as perguntas, parou de mexer na bolsa da minha colega e disse que estavam atrás de armas e drogas.

Perguntei se eles não deveriam parar todos os carros, então, se havia alguma razão para acreditar que gente armada estivesse passando por aquele trecho, naquela hora. Sem resposta. Perguntei como eles escolhiam os carros que seriam parados. Sem resposta.

Minha colega disse que entendia que bandido armado tem que ser preso. E foi nessa hora que eu vi, na prática, o efeito de tudo o que temos ouvido em discursos oficiais, como os do governador do Rio, Wilson Rambo Witzel, que acha que bandido tem que ser abatido.

“Não adianta prender, tem que matar.”

Foi essa a resposta do policial. E, por mais que a gente saiba que as pessoas pensam dessa forma, foi um choque. Não consegui dizer mais nada antes de entrar no carro para ir embora, enquanto ele usou o nome de Deus três vezes para se despedir.

Isso parece bobagem perto do que temos visto nas favelas da cidade, em que a polícia chega, atira e mata, e coloca em risco gente inocente, como aconteceu no Complexo da Maré. Mas é sinal claro de que a corporação entendeu como carta-branca os absurdos ditos pelas autoridades. E que a repressão foi liberada em todos os níveis. Parece que alcançamos algum tipo de igualdade no país. Agora todo mundo toma dura sem motivo.

A blitz na qual fui parada, se tivesse, de fato, a intenção de caçar bandido, tinha tudo para ser uma ação comprometida. O aparato policial parecia insuficiente. A forma com que o policial se aproximou do carro, a investida contra os ocupantes, tudo o deixava numa posição vulnerável, se alguém ali estivesse armado e com más intenções.

Vamos falar a real? O que ele queria era apenas caçar maconheiro. Era dar dura em playboy com cigarrinho do demônio, levar em cana gente que fuma beck ou levar algum em troca da impunidade. E sair matando, porque governantes irresponsáveis deram licença para isso.

O resultado do liberou geral está aí; de janeiro a março, o número de mortos pela polícia já é 18% maior do que no mesmo período de 2018, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP). O que não implica uma cidade efetivamente mais segura.

A truculência policial, chancelada pelas autoridades, vai produzir cada vez mais episódios em que morre bandido e, claro, inocente que tiver o azar de estar pelo caminho. E, para completar, vamos resolver o problema do crime organizado no Rio prendendo a moçada que fuma maconha na praia ou em frente à universidade. Agora vai.

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