Limitações humanas

Por SÓCRATES

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Muitos têm jogadores de futebol como ídolos. Afinal, são indivíduos que conquistaram um importante espaço na sociedade, principalmente em relação ao aspecto econômico, o que é extremamente valorizado por uma grande parcela da população. “Vencer na vida” é proporcional à conta bancária, pensam os consumidores da ideologia reinante.

Ídolos devem representar seres altaneiros, insuspeitos, corajosos e imponentes, capazes de responder bem às expectativas de seus seguidores. No futebol, porém, esses seres estão longe do ideal imaginado pelos fãs. São frágeis, fracos, não sabem do seu valor na sociedade, nem mesmo como influenciam o comportamento de quem os acompanha, muitas vezes cegamente como a um guru sem teologia ou ideologia. Muitas vezes explodem suas veias violentas na jugular dos adversários, como se fossem troféus a conquistar. Vivem em guetos para se esconder das suas conquistas, como se deles não fossem ou se envergonhassem de não lutar por ideais compatíveis com as necessidades dos que com eles cresceram e não tiveram a mesma sorte no embaralhamento social pregresso.

Alguns podem contra-argumentar que seria exigir demais de seus cérebros, já que tiveram formação deficiente e perderam muito da capacidade de discernimento. Até certo ponto isso tem a sua lógica.

Conheço, porém, muito bem esse segmento, tenho clareza de que a imensa maioria possui perfeita noção de suas necessidades mais pungentes e, entretanto, nada fazem para minorá-las. Agem como o bando de madames que se esparramam no leito frio de uma relação nupcial para exclusivamente usufruir dos bens materiais.

Até mesmo dentro de campo esse tipo de reação aparece em todo o seu esplendor, ainda que os atletas, em geral, façam de tudo para esconder sua inapetência para a luta, quando se apresenta uma corrente desfavorável.

Quando isso acontece, boa parte deles se esconde nas costas de algum companheiro, torcendo sem disfarçar para a bola passar longe de si, de modo que não tenham de se apresentar. Como protagonistas quando reconhecem, muitas vezes inadvertidamente, que estão muito longe de estar preparados para tal empreitada.

São aqueles que sofrem como ninguém quando escalados para um confronto decisivo, na ausência de um ambiente tranquilo em que ninguém perde diante do fracasso. Até sonham ou mesmo rezam para que esse fato não ocorra, ou, em última instância, inventam uma contusão, enquanto seus companheiros caminham para a forca anunciada.

Um exemplo recente e muito fresco é o Palmeiras deste ano. O time partiu de um início de temporada avassalador e viu-se, surpreso, no fundo do poço, de onde até agora não conseguiu sair – talvez a vitória no meio da semana, quase a fórceps, possa ser a chave do cadeado que aprisiona seus jogadores na bruma indesejada. Ou pelo menos ainda não encontrou a porta certa do labirinto em que se meteu.

É improvável alguém acreditar que desaprenderam a jogar ou que estejam sabotando a quem quer que seja. É mais fácil entender que a equipe saiu dos trilhos, embrenhou-se em uma floresta de arrogância e empáfia que finalmente a fez desembocar no inferno astral dos que trabalham com público: a desconfiança em suas capacidades. E, a partir daí, reverter a situação já não depende exclusivamente das próprias forças, pois estas estão cada vez mais fracas e sem poder responder aos minados e mimados comandos de seus portadores.

Outro flagrante exemplo é a realidade de inúmeros bons atletas de razoável talento e qualidade que jamais conseguem ter sucesso em grandes equipes, onde a pressão por boas atuações e resultados extrapola as suas capacidades. São os mesmos que em times sem ou quase nenhuma torcida destacam-se de todo o resto, chamando a atenção das poderosas entidades que resolvem levá-los para reforçar seus elencos.

Invariavelmente, essa simbiose se esvai na incompetência com que os nossos sensíveis jogadores enfrentam a fúria dos fanáticos seguidores das tradicionais cores de seus novos contratantes. Mas ainda existe um exemplo ainda mais dramático que envolve aqueles que muitas vezes são chamados de “leões de treino”, que acabam por “se escalar” nos coletivos da vida, mas mal conseguem ficar em pé após ultrapassar a escuridão do fosso do vestiário. Estes, sim – e infelizmente –, jamais serão alguma coisa nesta vida em que cada passo é avaliado por tantos olhares.

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