Conselheiros advertem gestores do Corinthians por omissões diante de ilegalidades (documento na íntegra)

“A responsabilidade civil dos Associados, Conselheiros e Diretores do Sport Club Corinthians Paulista é um tema de extrema relevância, especialmente após a promulgação da Lei Geral do Esporte. Ela não se limita aos atos diretamente praticados, mas se estende às omissões na fiscalização e supervisão dos demais órgãos internos da associação, podendo levar à responsabilização pessoal e solidária”
Responsabilidade Civil dos Gestores de Associação Desportiva por Atos e Omissões de Órgãos Internos
Prezados Senhores e Senhoras,
O presente parecer tem como objetivo analisar e delinear os contornos da responsabilidade civil dos gestores de associações desportivas, com foco especial nos atos e omissões praticados pelos diversos órgãos internos do Sport Club Corinthians Paulista. A compreensão de tais responsabilidades é crucial para a governança eficiente e para a mitigação de riscos jurídicos à instituição e aos próprios administradores.
A análise se fundamenta principalmente no Código Civil (Lei nº 10.406/2002), na Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998) e na Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023 ou LGE), bem como em outros diplomas legais que tangenciam a matéria.
- 1. O Regime Jurídico das Associações Desportivas e a Lei Geral do Esporte
As associações desportivas, como o Sport Club Corinthians Paulista, são pessoas jurídicas de direito privado, regidas em primeiro plano por seu estatuto social e, subsidiariamente, pelo Código Civil. A Lei Pelé e, mais recentemente, a LGE estabelecem normas específicas para o esporte, introduzindo um regime de responsabilidade mais detalhado para os dirigentes.
A LGE, em particular, buscou modernizar e profissionalizar a gestão esportiva, estabelecendo deveres e responsabilidades claros para os administradores, alinhando-os, em grande medida, aos deveres de administradores de sociedades anônimas, ainda que com as devidas adaptações à natureza associativa.
- 2. Bases Legais da Responsabilidade Civil dos Gestores
- 2.1. Código Civil (Lei nº 10.406/2002)
O Código Civil estabelece a base da responsabilidade civil, fundada na prática de ato ilícito (artigos 186 e 187) que cause danos a outrem, gerando o dever de indenizar (artigo 927). Para as pessoas jurídicas, o artigo 50, com a redação dada pela Lei da Liberdade Econômica, trata da desconsideração da personalidade jurídica em casos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, o que pode atingir o patrimônio dos administradores.
Embora o Código Civil trate especificamente da responsabilidade dos administradores de sociedades (artigos 1.011 e 1.016), tais princípios são aplicáveis por analogia aos gestores de associações, especialmente no que tange aos deveres de diligência e probidade na administração dos bens da entidade.
- 2.2. Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998)
A Lei Pelé, em seus artigos 18-B e seguintes, já delineava a responsabilidade dos dirigentes de entidades de prática desportiva. O artigo 18-B, por exemplo, dispõe que “os dirigentes das entidades do Sistema Nacional do Desporto, independentemente da forma jurídica adotada, têm seus bens particulares sujeitos ao disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)”. Este dispositivo é crucial, pois solidifica a responsabilidade pessoal e solidária dos dirigentes em caso de dolo ou culpa.
- 2.3. Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023)
O artigo 59 da LGE, dispõe que são princípios da gestão esportiva, sem prejuízo de outros preceitos correlatos, zelar pela viabilidade econômico-financeira da organização, especialmente por meio da adoção de procedimentos de planejamento de riscos e de padrões de conformidade como também prestar contas de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões e atuando com diligência e responsabilidade no âmbito de sua competência.
Com o devido efeito, o inciso I do artigo 63, estabelece que as demonstrações contábeis das entidades desportivas devem ser apresentadas a cada 3 (três) meses e acompanhadas de parecer de auditoria independente. Estabelece ainda no inciso II do parágrafo 1º a inelegibilidade dos seus dirigentes por 10 (dez) anos trazendo no seu parágrafo 3º novamente a definição sobre o conceito de dirigentes e seus atos, inclusive a sua omissão.
A LGE aprofunda e detalha a responsabilidade dos dirigentes. O artigo 64 é particularmente relevante, visto que nele são definidos alguns dos deveres dos gestores.
O dever de cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios (dever de diligência). Assim como dever de lealdade, exigindo que atuem no melhor interesse da organização e evitem conflitos de interesse. E necessário que seja premissa ao gestor o dever de informação, definido como a obrigação de informar todos os interessados sobre qualquer situação que possa acarretar, principalmente risco financeiro ou de gestão.
Segundo o Estatuto Social vigente do Sport Club Corinthians Paulista, tanto o Conselho Deliberativo, como o CORI exercem funções orientadoras e detém poder de decisão, deliberando assuntos que colaboram diretamente com a gestão da organização.
Reforçando o artigo 18 da Lei Pelé, o inciso II do artigo 65 da LGE, torna inelegível e impedido de exercer funções de direção nas organizações esportivas por 10 (dez) anos, os dirigentes inadimplentes na prestação de contas da organização esportiva. O parágrafo 3º também pune o dirigente caso a organização esportiva esteja inadimplente com as contribuições previdenciárias e trabalhistas cuja inadimplência tenha ocorrido durante sua gestão.
O combatente artigo 66 dispõe em seu caput que os dirigentes das organizações esportivas, independentemente da forma jurídica adotada, têm os seus bens particulares sujeitos ao disposto no artigo 50 do Código Civil, ou seja, se constado o abuso da personalidade jurídica ou desvio de finalidade (má gestão por exemplo), os dirigentes poderão ser responsabilizados e seus bens pessoais/patrimoniais afetados. E, novamente, o parágrafo 1º define o conceito de dirigente como sendo aquele que exerce, de fato ou de direito, poder de decisão na gestão da entidade (CORI, Conselho Deliberativo, Conselho Fiscal e Diretoria Executiva, por exemplo).
Já o artigo 67 define o conceito de gestão irregular ou temerária, estabelecendo o desvio de finalidade na direção da organização ou que gerem risco excessivo e irresponsável para seu patrimônio. Dentre eles destaca-se o inciso V que destaca a antecipação ou comprometimento das receitas em desconformidade com o previsto em lei.
O artigo 68 novamente versa sobre os atos e as responsabilidades dos dirigentes que praticarem gestão irregular ou temerária bem como o formato de mobilização interna dos órgãos deliberativos e associados. Estabelece que, na ausência de disposição específica, 30% dos associados podem convocar assembleia geral para instaurar procedimentos de apuração de responsabilidade.
Já o artigo 69 estabelece os procedimentos para eventuais ressarcimentos dos prejuízos causados pelo dirigente esportivo.
- 3. Responsabilidade por Ações e Omissões de Órgãos Internos
A questão central para os Conselheiros e Diretores é a extensão de sua responsabilidade por atos e omissões de outros órgãos internos (e.g., diretorias específicas, departamentos, comissões).
- 3.1. Dever de Fiscalização e Supervisão (Culpa in Vigilando)
Os Conselheiros e Diretores, detêm um dever fiduciário de fiscalização e supervisão sobre a gestão da associação. Não basta que atuem somente em suas atribuições diretas; é sua responsabilidade zelar para que os demais órgãos da administração atuem em conformidade com a lei, o estatuto e os princípios de boa governança.
A responsabilidade dos Conselheiros e dos Diretores pode surgir, portanto, da culpa in vigilando, ou seja, da omissão em seu dever de fiscalizar, o que resultou em prejuízo à associação ou a terceiros. Se um órgão interno comete um ato ilícito ou omissivo que gera dano, e o Conselho tinha o dever e os meios para fiscalizar e coibir tal conduta, mas falhou em fazê-lo, seus membros podem ser responsabilizados.
Exemplos de situações que podem gerar responsabilidade por omissão na fiscalização:
- Aprovação de contas sem a devida análise: A não fiscalização adequada de despesas ou receitas que levem a desvios ou má gestão financeira.
- Conhecimento de irregularidades e inação: Ter ciência de atos ilícitos praticados por membros de outras diretorias ou departamentos e não tomar as medidas cabíveis para coibi-los ou denunciá-los.
- Ausência de controles internos: Falha na implementação ou exigência de mecanismos de controle que poderiam prevenir fraudes ou negligências.
- Descumprimento de normas: Não exigir que os atos da administração executiva e dos diversos departamentos estejam em conformidade com o estatuto e a legislação.
- 3.1.1. Exemplos de Negligência na Fiscalização
Aprovação Acrítica de Contas e Orçamentos:
Cenário: O Conselho Fiscal ou Deliberativo ou de Orientação aprova anualmente os balanços e orçamentos apresentados pela diretoria executiva sem uma análise minuciosa, sem questionar despesas vultosas ou inconsistências. Não são solicitados documentos comprobatórios, nem são feitas comparações com orçamentos anteriores ou com as práticas de mercado.
Negligência: Falha no dever de diligência e de fiscalização. A aprovação passiva e desinformada permite que eventuais fraudes, desvios de recursos, superfaturamento ou má gestão financeira passem despercebidos.
Consequência: Prejuízo financeiro significativo à associação, com os conselheiros podendo ser responsabilizados solidariamente pelos valores desviados ou mal geridos, especialmente se demonstrado que a fiscalização adequada evitaria o dano.
Ignorância Deliberada ou Omissão Diante de Irregularidades Notórias:
Cenário: Chegam ao conhecimento de um ou mais conselheiros rumores ou denúncias de irregularidades graves, como pagamento de propinas, assédio moral ou sexual dentro de algum departamento, ou desvio de finalidade de contratos. Mesmo tendo ciência, os conselheiros não tomam nenhuma providência: não investigam, não solicitam esclarecimentos, não levam o assunto ao conselho, nem acionam os órgãos competentes.
Negligência: Violação do dever de lealdade, do dever de diligência e da obrigação de agir no melhor interesse da entidade. A omissão diante de fatos graves caracteriza uma conduta culposa.
Consequência: Além do prejuízo direto causado pela irregularidade (ex: sanções legais, indenizações por assédio, perda de patrocinadores), os conselheiros podem ser responsabilizados por permitir a continuidade da conduta lesiva, com a agravante de terem tido conhecimento e não agido.
Não Implementação ou Fiscalização de Controles Internos e Compliance:
Cenário: A diretoria executiva não estabelece procedimentos claros para contratação de fornecedores, controle de gastos, gestão de pessoal ou proteção de dados. O Conselho Deliberativo / Conselho Fiscal / Conselho de Orientação, mesmo cientes da ausência ou fragilidade desses controles, não exige sua implementação ou não fiscaliza se os existentes estão sendo seguidos.
Negligência: Falha no dever de diligência e de exigir boas práticas de governança. A LGE enfatiza a profissionalização e a transparência.
Consequência: A ausência de controles facilita a ocorrência de fraudes, corrupção, litígios trabalhistas, vazamento de dados (LGPD) e outras condutas danosas, pelas quais os conselheiros podem ser responsabilizados por omissão em seu dever de supervisionar a estrutura de gestão.
Aprovação de Contratos sem Análise Jurídica Adequada ou com Conflito de Interesses:
Cenário: Um contrato importante (ex: patrocínio, venda de jogador) é submetido à aprovação do Conselho Deliberativo ou CORI ou CF sem parecer jurídico prévio, ou com um parecer superficial. Ou, ainda, um conselheiro tem conhecimento de que um diretor tem interesse direto ou indireto em um contrato e não reporta o fato, ou o conselho aprova o contrato mesmo assim.
Negligência: Violação do dever de diligência (não assegurar que o contrato é benéfico e legalmente seguro) e do dever de lealdade (permitir o conflito de interesses).
Consequência: Perdas financeiras para o clube devido a cláusulas desvantajosas, litígios judiciais futuros, ou mesmo acusações de corrupção e desvio. Os conselheiros ou diretores executivos podem ser responsabilizados por não zelar pelos interesses da entidade.
Inação Diante de Descumprimento de Normas Esportivas ou Legais:
Cenário: A equipe de futebol profissional, ou algum departamento, está descumprindo regras da federação, da confederação ou mesmo leis (ex: uso de doping, irregularidades na inscrição de atletas, desrespeito às normas de segurança no estádio). Os conselheiros tomam conhecimento dessas irregularidades, mas não cobram ações corretivas da diretoria.
Negligência: Falha no dever de garantir a conformidade legal e estatutária da associação.
Consequência: Multas, suspensões, perda de pontos, rebaixamento de divisão, interdição de estádio, processos judiciais e danos à imagem do clube. Os Conselheiros ou Dirigentes podem ser responsabilizados por omissão em seu dever de zelar pela integridade e regularidade da instituição.
Desinteresse ou Falta de Participação Efetiva nas Reuniões:
Cenário: Conselheiros faltam constantemente às reuniões, não leem os materiais de pauta, ou não participam ativamente dos debates, limitando-se a chancelar as decisões da maioria ou da diretoria executiva sem a devida reflexão.
Negligência: Embora não seja um ato omissivo direto que cause danos, a falta de participação ativa compromete o exercício do dever de fiscalização e diligência.
Consequência: Se uma decisão prejudicial for tomada devido à falta de debate ou à ausência de questionamentos, e os conselheiros ausentes ou desinteressados não tiverem registrado sua divergência (ou sequer estavam presentes para isso), poderão ser incluídos na responsabilidade solidária por não terem cumprido seu papel fiscalizatório.
- 3.2. Dever de Lealdade e Diligência
A LGE reforça que o dever de diligência e lealdade se estende a todos os administradores. Isso significa que os Conselheiros e Diretores devem agir com prudência e zelo, como se estivessem cuidando de seus próprios negócios, e sempre no interesse do clube, evitando situações de conflito de interesses. A negligência na fiscalização de outros órgãos internos pode ser interpretada como uma violação desses deveres.
3.3. Responsabilidade Solidária
A responsabilidade pode ser solidária entre os Conselheiros e Diretores que participaram de deliberações ou se omitiram na fiscalização de forma culposa ou dolosa, resultando em prejuízos. A exceção é para aqueles que não participaram da deliberação ou, tendo participado, registraram sua divergência em ata. Isso reforça a importância do registro de votos e posições.
- 4. Medidas Preventivas e Recomendações
Para mitigar os riscos de responsabilidade civil, sugere-se aos Associados, Conselheiros e Diretores do Sport Club Corinthians Paulista a adoção das seguintes medidas:
- a) Diligência Ativa na Fiscalização: Exercer ativamente o dever de fiscalizar todos os atos da administração, exigindo informações, relatórios e documentos que fundamentem as decisões e a conduta dos órgãos internos.
- b) Análise Aprofundada: Realizar análises criteriosas das contas, balancetes e demais informações financeiras e administrativas apresentadas pela Diretoria Executiva.
- c) Registro de Divergências: Em caso de discordância com deliberações ou condutas, fazer constar em ata sua posição divergente, de forma clara e fundamentada, para eximir-se de eventual responsabilidade solidária.
- d) Conhecimento do Estatuto e Regulamentos: Manter-se atualizado sobre o estatuto social, regimentos internos e a legislação aplicável (especialmente a LGE) para identificar desvios e agir preventivamente.
- e) Exigência de Conformidade (Compliance): Promover e exigir a implementação de um robusto programa de compliance e governança corporativa, com políticas claras de conduta, canais de denúncia e mecanismos de controle interno eficazes para todos os níveis e órgãos do clube.
- f) Acompanhamento de Auditorias: Exigir e acompanhar a realização de auditorias internas e externas independentes, dando o devido encaminhamento às suas recomendações.
- g) Transparência e Boa Fé: Atuar sempre com transparência, boa-fé e no estrito interesse do Sport Club Corinthians Paulista, evitando qualquer situação de conflito de interesses.
- h) Capacitação Contínua: Buscar capacitação e atualização sobre as melhores práticas de gestão e os deveres e responsabilidades inerentes à sua função. Neste sentido, o Presidente do Conselho Deliberativo solicitou inúmeras e reiteradas oportunidades que a Diretoria Executiva e os órgãos de controle da instituição realizassem treinamentos e capacitações dos Conselheiros, sendo que tais iniciativas não foram realizadas, sendo certo que há inação da Diretoria Executiva em tal demanda.
i) Adequação à nova Legislação Tributária e ao Fair Play Financeiro da CBF: O Sport Club Corinthians Paulista deve se atentar e se adequar às alterações legislativas e regulatórias o mais rápido possível, de forma a não impactar os resultados esportivos e administrativos da instituição, desta forma, recomenda-se que os Conselheiros e os Diretores atuem de forma célere e técnica no intuito de adequar os processos e procedimentos internos às novas regras.
5. Conclusão
A responsabilidade civil dos Associados, Conselheiros e Diretores do Sport Club Corinthians Paulista é um tema de extrema relevância, especialmente após a promulgação da Lei Geral do Esporte. Ela não se limita aos atos diretamente praticados, mas se estende às omissões na fiscalização e supervisão dos demais órgãos internos da associação, podendo levar à responsabilização pessoal e solidária.
A atuação diligente, leal e em conformidade com a lei e ao estatuto é o melhor caminho para proteger o patrimônio do clube e o dos próprios gestores. A implementação de práticas de boa governança e o exercício ativo do dever de fiscalização são essenciais para uma gestão responsável e para o sucesso da entidade.
Subscrevem este documento os Conselheiros que não concordaram com a Revisão Orçamentária aprovada na reunião extraordinária do Conselho Deliberativo realizada no dia 06 de outubro de 2025.
Antônio Roque Citadini
Fernando do Amaral Perino
Laércio Ferreira Victoria
Leandro Cristóvão R. L.
Leandro Olmedila
Marcelo Kahan Mandel
Peterson Ruan A. do Couto Ramos
Roberto William Miguel
Wanderson C. Salles
Yun Ki Lee
Ainda, ratificam o presente termo os Associados abaixo listados.
Andrea Varella
Cássio Pereira
Cyrillo Cavalheiro Neto
Marcelo Cavalheiro Doria
Wilson Canhedo Jr.

Lamentável a participação de dirigentes e conselheiros na administração do Sport Club Corinthians Paulista!