Lobista da SAFIEL foi condenada por embolsar propina (com documento)

- Miriam Athie deve R$ 1 milhão ao Município de São Paulo
- Ex-vereadora não devolveu propina embolsada
Ontem, em entrevista ao influencer Marcão da Fiel, a ex-vereadora Miriam Athie — conselheira do Corinthians e lobista da SAFIEL, que tem seu parente como principal articulador — afirmou ter sido “absolvida” em ação de improbidade administrativa, movida pelo Ministério Público de São Paulo, que a acusava de embolsar propina para facilitar esquema nos transportes públicos.
Não é verdade
Disse também que teria pago uma “multa” de R$ 40 mil e que o caso estaria resolvido.
Mentira.
Facilitada pela benevolência de entrevistadores que não se dão ao trabalho de pesquisar sua trajetória, Athie sustenta ter sido tratada pela Justiça como “bode expiatório”.
Há, inclusive, quem — desavisado — defenda sua candidatura à presidência do Corinthians ou até ao cargo de CEO da SAFIEL, caso o projeto seja aprovado.
“Vou escutar a Deus”, respondeu a conselheira, sem constrangimento.
Vamos aos fatos.
Condenação
Em 28 de janeiro de 2010, a Justiça de São Paulo condenou Miriam Athie por improbidade administrativa, ao lado de seu chefe de gabinete, Milton Sérgio Júnior, e do advogado Jorge Kengo Fukuda.
O grupo participou de um esquema que permitiu à Transportes Urbanos Cidade Tiradentes Ltda. (TUCT) — empresa em situação falimentar — retomar operações e disputar licitação no sistema municipal de transportes, mesmo devendo cerca de R$ 11,5 milhões à SPTrans.
A investigação revelou que Athie:
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organizou reuniões em seu próprio escritório com o proprietário da empresa, Samy Gelman Jaroviski (posteriormente condenado na esfera criminal por estelionato, falsidade ideológica e formação de quadrilha);
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apresentou-o à diretoria da SPTrans como empresário confiável;
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interferiu politicamente para que fosse aceita como garantia um imóvel rural em São Bernardo do Campo sem registro e artificialmente superavaliado em R$ 37 milhões, comprado poucos meses antes por R$ 2 milhões.
Em troca, segundo depoimentos e documentos constantes dos autos, Athié recebeu R$ 40 mil em propina — valor que, corrigido, corresponde hoje a aproximadamente R$ 500 mil.
Parte do montante foi entregue dentro do gabinete da vereadora.
O juiz Valter Alexandre Mena, da 3ª Vara da Fazenda Pública, foi categórico:
“A vereadora prevaleceu-se de sua posição política para interferir no levantamento da intervenção e possibilitar a participação da empresa na licitação, recebendo vantagem indevida.”
Penalidades
A sentença condenou Miriam Athie a:
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Perda da função pública
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Suspensão dos direitos políticos por 8 anos
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Devolução dos R$ 40 mil recebidos ilicitamente
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Multa equivalente ao valor da propina
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Proibição de contratar com o Poder Público por 5 anos
A condenação foi mantida por unanimidade pelo TJ-SP em 18 de novembro de 2015, no voto do desembargador Sérgio Gomes.
Em 25 de julho de 2016, o Recurso Especial foi desprovido pelo desembargador Ricardo Dip.


Athie e seus comparsas recorreram.
Em 18 de novembro de 2015, o TJ-SP manteve, por unanimidade – acatando voto do Desembargador Sergio Gomes (relator), a íntegra da Sentença.

A condenada apelou para Recurso Especial, também desprovido, em decisão do desembargador Ricardo Dip, presidente da Seção de Direito Público do TJ-SP, datada de 25 de julho de 2016.

A dívida não paga (e os bens penhorados)
Em 26 de abril de 2022, 19 anos após embolsar a propina (2003), doze anos depois da condenação de primeira instância, Miriam Athie não havia pagado o valor devido ao Município.
Estava, por conta do calote, com três imóveis penhorados.
No desespero, pediu a substituição da garantia por precatórios.
O desembargador Wanderley José Federigui, do TJ-SP, indeferiu, informando à condenada que o pedido deveria ser efetuado no juízo de execução.




Em 06 de junho de 2023, após manifestação negativa do MP-SP, Athie pediu o desbloqueio de dois imóveis, permanecendo o terceiro como garantia de pagamento da condenação.
O juiz Luis Manuel Fonseca Pires, da 3ª Vara de Fazenda Pública, oficiou, em 27 de junho de 2023, a Prefeitura de São Paulo, para que respondesse se concordava com as opções sugeridas.
A Procuradoria Geral do Município, em 28 de julho de 2023, negou o imóvel ofertado, alegando que Athie não corrigiu os valores devidos (devolução da propina e multa), que, somados, superariam a garantia.
Até então: R$ 554.651,84.

Em 05 de setembro de 2023, a Prefeitura aceitou liberar apenas um imóvel, mantendo os outros dois penhorados.
O MP-SP concordou com o Município em 13 de setembro de 2023.
Athiê, em 29 de setembro de 2023, propôs acordo para pagamento da condenação: 24 parcelas de R$ 18.986,23, que perfazem o total de R$ 455.669,67.

A Prefeitura, em 09 de outubro de 2023, aceitou o parcelamento desde que incidisse sobre as parcelas juros de 1% ao mês, não da maneira como estava sendo proposta pela devedora.
No dia seguinte, o MP-SP protocolou a concordância.
Em 13 de novembro de 2023, o Município lembrou a Athiê que sua dívida não era apenas sobre a devolução da propina, mas também havia a multa, de mesmo valor, também não honrada.
O valor total, naquela data, era de R$ 928.389,32.

Miriam Athiê solicitou, em proposta de acordo, o perdão da multa.
Em 26 de junho de 2024, a Prefeitura não concordou.

A condenada, em 17 de julho de 2024, diante da impossibilidade de acordo, anuiu na liberação de apenas um imóvel, mantendo outros dois em garantia da quitação da pendência.
O juiz Luis Manuel determinou, em 19 de julho de 2024, a nova composição das penhoras.

Em 09 de setembro de 2024, Athie, desta vez ao MP-SP, reiterou a solicitação de perdão da multa, concordando apenas em devolver os valores embolsados em propina.
A promotoria, em 15 de outubro de 2024, manifestou-se contrária ao pedido.
No dia seguinte, a Justiça manteve a execução como estava.
Situação atual
Estamos em 09 de novembro de 2025 e, até o presente momento, Miriam Athie não devolveu os valores que embolsou indevidamente, nem pagou a multa correspondente.
Ao podcast de Marcão da Fiel, a conselheira do Corinthians e lobista da SAFIEL, antes de mentir sobre o processo exposto, disse que não responderia ao ‘bloguinho’ que a estava acusando indevidamente.
ÍNTEGRA DA SENTENÇA QUE CONDENOU MIRIAM ATHIE POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
COMARCA DE SÃO PAULO
FORO CENTRAL – FAZENDA PÚBLICA/ACIDENTES
3ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA
Viaduto Dona Paulina, s/nº, sala 308 – Centro – CEP 01501-900
Telefone: 3322-3334 Ramal: 218 / E-mail: sp3faz@tjsp.jus.br
SENTENÇA
Processo n.º: 053.03.027284-7 – Ação Civil de Improbidade Administrativa
Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo
Requeridos: MIRIAN ATHIÉ; MILTON SÉRGIO JÚNIOR; JORGE KENGO FUKUDA; GERSON LUÍS BITTENCOURT; ROBERTA ARANTES LANHOSO e a empresa TRANSPORTES URBANOS CIDADE TIRADENTES LTDA.
CONCLUSÃO
Em 23/12/2010, o Dr. VALTER ALEXANDRE MENA, MM.
Juiz de Direito Titular da 3ª Vara da Fazenda Pública. O Escrev. (assinatura)
Vistos.
Trata-se de ação de responsabilidade civil por improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face de MIRIAN ATHIÉ; MILTON SÉRGIO JÚNIOR; JORGE KENGO FUKUDA; GERSON LUÍS BITTENCOURT; ROBERTA ARANTES LANHOSO e a empresa TRANSPORTES URBANOS CIDADE TIRADENTES LTDA.
É da inicial, instruída pelos documentos de fls. 24/1.166, que a empresa Viação Cidade Tiradentes Ltda., sucedida pela Transportes Urbanos Cidade Tiradentes Ltda. (TUCT), de propriedade de Samy Gelman Jaroviski, se encontrava sob intervenção municipal, em situação financeira de penúria e devendo aproximadamente R$ 11.500.000,00 (onze milhões e quinhentos mil reais) para a estatal SPTRANS – São Paulo Transportes S/A. Conseguiu, entretanto, levantar a intervenção e participar de posterior licitação para operar no sistema municipal de transportes. Isso só foi possível de forma fraudulenta e com a colaboração dos demais co-réus.
A Vereadora MIRIAN ATHIÉ, auxiliada por seu Chefe de Gabinete, MILTON SÉRGIO JÚNIOR, promoveu, em seu escritório particular, reunião entre Samy e o advogado Jorge Fukuda, quando este foi contratado para prestar serviços objetivando levantar a intervenção, mediante pagamento de honorários do profissional e a vereadora, que também promoveu gestões junto à SPTrans. Assim, em garantia da dívida de R$ 11.500.000,00 (onze milhões e quinhentos mil reais), Samy ofereceu um terreno com documentação irregular e falsamente avaliado em R$ 37.500.000,00 (trinta e sete milhões e quinhentos mil reais), bem como adquirido pouco antes por R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais). Tal garantia foi aceita por Roberta Arantes Lanhoso, advogada da SPTrans, e por Gerson Luís Bittencourt, Presidente da estatal. À vereadora foi paga propina de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).
Assim agindo, os réus cometeram atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito, previstos nos artigos 9º, I e 11, da lei n. 8.429/92, devendo ser condenados nas penas do artigo 12 do mesmo diploma.
Os requeridos apresentaram defesa prévia.
MIRIAN sustenta que não praticou nenhum ato de improbidade.
À pedido de Samy Gelman, proprietário da TUCT, sob intervenção da SPTrans, participou de reunião dele com o Secretário dos Transportes, preocupada com o restabelecimento dos serviços de sua zona eleitoral; não participou da contratação do advogado Jorge Fukuda pelos empresários; não objetivando viabilizar a participação da nova licitação; não é verdade que teria recebido R$ 40.000,00 em pagamento dessa intermediação (fls. 1541/1566).
MILTON afirma que realmente firmou como testemunha, no escritório de advocacia de Mirian, o contrato celebrado entre Fukuda e Samy, mas não recebeu R$ 10.000,00 para repassar à vereadora, como afirmado pelos estelionatários Samy e Marcos (fls. 1.366/1376).
Jorge Fukuda sustenta que seu contato inicial com o representante da TUCT, para serviços de consultoria jurídica, somente ocorreu após o levantamento da intervenção sofrida pela empresa; nada recebeu pelo contrato, que ficou sem efeito em face de nova intervenção. Foi contratado justamente para coordenar o prévio saneamento da empresa, a fim de que pudesse participar da futura licitação. Não participou de nenhum ato de improbidade (fls. 1795/1799).
Gerson Luis Bittencourt suscitou preliminares de inépcia da inicial, ilegitimidade ativa e passiva, falta de interesse de agir, inadequação da via eleita. Alega que não é verdadeira a acusação de que negligenciou na análise do contrato social da TUCT, do qual constava pessoa morta como sócio, e do laudo avaliatorio do imóvel dado em garantia da dívida da empresa para com a SPTrans; bem como na suspensão da intervenção dessa mesma empresa, a instâncias da vereadora e de Samy. Como Diretor-Presidente da SPTrans, não lhe incumbia a análise jurídica de documentos, nem o dever de conferir na JUCESP a situação da empresa contratada; a confissão de dívida da TUCT é nula; não houve prejuízo ao erário (fls. 2274/2303).
Roberta suscitou preliminares de inépcia da inicial, ilegitimidade ativa e passiva, falta de interesse de agir, inadequação da via eleita. Alega que não é verdadeira a acusação de que negligenciou na análise do contrato social da TUCT, do qual constava pessoa morta como sócio, e do laudo avaliatorio do imóvel dado em garantia da dívida da empresa para com a SPTrans; apenas emitiu parecer jurídico, submetendo-o à Gerência Jurídica, a quem cabia a decisão (fls. 1803/1825).
A TUCT, com falência decretada (fls. 1.764), e cujo sócio Samy faleceu (fls. 1.776) pelo síndico dativo (1.780), apresentou manifestação (fls. 2.726/2.731).
A Prefeitura, notificada (fls. 1.190 e 1.737), não se manifestou.
Manifestou-se o Ministério Público pelo recebimento da inicial
(fls. 2.705/2.708).
A inicial foi recebida pelo seguinte despacho (fls. 2.746/50), mantido em sede de agravo (A.I. nº 560.397-5/0-00, 9ª Câmara de Direito Público), o de 08/11/2006, rel. Desembargador Décio Notarangeli – fls. 3.163):
“Rejeito as preliminares de ilegitimidade ativa e inadequação do procedimento. Compete ao Ministério Público, como pela própria natureza jurídica de direito público interessada, por esta via, promover a ação de responsabilidade dos autores de ato de improbidade administrativa (lei nº 8.429/92, artigo 17; CF, artigos 37 e 129, III).
As demais preliminares se confundem com o mérito, e assim serão apreciadas no momento oportuno.
Nos termos do artigo 17, § 9º, da lei nº 8.429/92, recebo a inicial.
Há questões a ser melhor examinadas, caracterizadas e comprovadas, oportunamente, no curso da ação.
Quanto à Vereadora Mirian Athié, em que medida se prevaleceu do cargo para influenciar as decisões de levantamento da interdição da empresa de transportes e possibilitar sua participação em nova licitação; e se quanto recebeu indevidamente como honorários e propina em paga desse comportamento.
Quanto a Roberta Arantes Lanhoso e Gerson Luis Bittencourt, respectivamente advogada e Presidente da SPTrans, em que medida agiram ou se omitiram, culposa ou dolosamente, na aceitação de garantia manifestamente irregular e insuficiente que possibilitou o levantamento da interdição e a participação da empresa em nova licitação.
Relativamente a Jorge Kengo Fukuda, se teria apenas orientado tecnicamente seu cliente, Samy Gelman Jaroviski, ou participado da fraude quanto à mencionada garantia oferecida.
Quanto a Milton Sérgio Júnior, Chefe de Gabinete da Vereadora e testemunha da contratação de Jorge por Samy, se teria intermediado o recebimento de propina por sua chefe.
Cite-se. Int. São Paulo, 31 de maio de 2006.”
Os réus apresentaram contestação (fls. 2.761, 2.886, 2.927, 3.008, 3.086, 3.133), reiterando a defesa prévia.
O feito foi saneado (fls. 3.149), produziu-se prova oral (fls. 3.276 a 3.367) e as partes se manifestaram em alegações finais (fls. 3.373 a 3.517).
É o relatório.
Decido.
Procede o pedido, em parte.
Para melhor compreensão das imputações, conveniente mencionar, ainda que sucintamente, os fatos antecedentes, envolvendo os protagonistas da empresa de transportes Cidade Tiradentes, perfeitamente detalhados na r. e longa sentença da 4ª Vara Criminal da Capital, condenando-os por duplo estelionato, falsidade ideológica e formação de quadrilha (fls. 2.529/2.570), destacando-se o meliante Samy Gelman Jaroviski, ao lado de Marcos José Cândido da Silva, Sérgio Camargo dos Santos e Gelson Camargo dos Santos.
Referida empresa, denominada Viação Cidade Tiradentes Ltda. e depois Transportes Urbanos Cidade Tiradentes Ltda., se encontrava em estado falimentar e foi adquirida por Samy sem qualquer pagamento ou compromisso de saldar o passivo, no importe de R$ 35.000.000,00, o que nunca foi quitado. Decretada a intervenção da empresa pela estatal municipal, SPTRANS, o interventor, Valdemar (testemunha no processo criminal, fls. 2.545) “confirmou tê-la encontrado com os estoques vazios e com a frota de ônibus em péssimo estado de conservação, com presença de peças sucateadas”; “também confirmou que a SPTrans efetuou constantes recursos em favor da TUCT”, mais de 11 milhões de reais. Samy conseguiu suspender a intervenção e retomar a posse da empresa, assinando confissão de dívida daquele valor (R$ 11.000.000,00) e dando em garantia um imóvel em São Bernardo do Campo, super-avaliado em R$ 37.000.000,00 (depoimento do como testemunha do aqui co-réu Gerson Bittencourt, presidente da SPTrans).
Aduzindo que a TUCT estava um verdadeiro caos quando ocorreu a intervenção, o que torna incontroversa a necessidade dos aportes realizados pela SPTrans” (fls. 2.545).
A testemunha Roberta (ora co-ré) “afirmou ter estado em contato com os réus Samy e Marcos, que compareceram na SPTrans representando a empresa Cidade Tiradentes. Referida testemunha confirmou (…) que o réu Samy ofereceu em garantia um imóvel rural situado na cidade de São Bernardo do Campo, que, porém, não estava registrado em seu nome. Ela acrescentou, ainda, que a avaliação apresentada foi capaz de enganar a SPTrans, visto que aparentava estar formalmente em ordem, sendo constatada a superfaturação apenas depois da assinatura do termo de garantia, sendo certo que a irregularidade referente ao prédio, retratada nos documentos de fls…, foi por ela detectada em visita feita ao local após a veiculação do escândalo na mídia” (fls. 2.548).
A testemunha (no processo criminal) Maurício “aduzir ter constatado que os acusados faziam parte de um grupo que adquiria empresas para então dar causa à sua falência (…)” (fls. 2.543).
Até aqui parece suficientemente claro qual era o perfil de Samy Gelman Jaroviski e seus comparsas, habilidosos em enganar os incautos.
Pois bem.
Foi esse tipo de pessoa que a vereadora Mirian Athié, preocupada com a situação do transporte em zona base eleitoral, recebeu em seu escritório particular em reunião com o co-réu Jorge Fukuda, contratado para levantar a intervenção (fls. 1796). Foi essa pessoa que a vereadora apresentou à SPTrans e participou de reunião na estatal com a presença do presidente, o co-réu Gerson Luis Bittencourt e a co-ré Roberta Arantes Lanhoso, como fosse empresário “que mudaria o padrão de qualidade, seria um ator referencial no sistema de transporte”, dando seu aval de tratar de “conhecido de seu relacionamento pessoal” (depoimento de Maurício — referência cortada pela imagem).
Thesin, diretor da SPTrans na época, fls. 3276/3288).
Claro que se inclui nas atribuições dos políticos, na defesa dos interesses da comunidade que representam, interceder junto aos órgãos públicos, seja exigindo, seja solicitando providências para resolver determinadas situações. Sem interesses pessoais, salvo os eleitorais.
Ora, ou bem a vereadora conhecia Samy como “pessoa de seu relacionamento pessoal”, ou não o conhecia. Na primeira hipótese, devia saber que se tratava de estelionatário, mau empresário, que não tinha intenção nem interesse em sanear a empresa e mudar o padrão de qualidade do serviço de transporte; em consequência, não poderia ter-lhe dado atestado de bons antecedentes junto à SPTrans, salvo se tivesse outro interesse, de outra vantagem econômica. Se o não conhecia, não poderia ter intercedido em seu favor, salvo pelo mesmo interesse econômico.
A testemunha Marcos José Cândido da Silva, embora co-autor da fraude de Samy, confirmou que, no procedimento para cessação da intervenção, Mirian e o co-réu Jorge Fukuda receberiam, este R$ 200.000,00 e ela 50.000,00, certo que a quantia de R$ 10.000,00 foi entregue pessoalmente por ele ao co-réu Milton Sérgio Júnior, então chefe de gabinete da vereadora; a segunda parcela foi paga no gabinete da vereadora por Cláudio Vasconcelos, motorista da TUCT (fls. 3.392 e 3.311/31). Cláudio Vasconcelos confirmou tal declaração de entrega de R$ 30.000,00 pessoalmente à vereadora (fls. 3.332/39).
O co-réu Milton Sérgio Júnior não apenas assinou como testemunha o contrato de prestação de serviços entre Samy e Jorge Fukuda, como serviu de intermediário no recebimento da parte da propina destinada à vereadora (fls. 3392 e 3.311).
Resta, então, o artifício jurídico de que se valeu a empresa para lograr a cessação da intervenção e a retomada da posse por Samy.
Aqui entram o advogado Jorge Fukuda, a assessora jurídica Roberta Lanhoso e o presidente da SPTrans, Gerson Bittencourt.
Relembre-se que a intervenção ocorreu entre 22/10/2002 e 22/01/2003, quando assinado termo de confissão de dívida, dando em garantia imóvel rural denominado Sítio Tio Guedes, bairro Curucutu, São Bernardo, no valor estimado de 37 milhões (fls. 318; laudo de 22/5/2001, fls. 651), adquirido por Samy pelo valor de R$ 2.000.000,00 em 16/6/2001 por instrumento particular de compromisso de compra e venda quitado e não registrado (fls. 648/50).
Jorge Fukuda foi contratado no escritório da vereadora (ela próprio o admite, fls. 1.796), e testemunhado pelo chefe de gabinete dela. A questão é saber se foi contratado para prestar serviços de consultoria após o levantamento da intervenção, como ele afirma, ou, pelo contrário, justamente para possibilitar o levantamento da intervenção. Embora o contrato esteja datado de 22 de janeiro de 2002 (fls. 328/29), a data correta só pode ser 2003 (tanto que a cláusula 1ª faz referência a contrato emergencial de julho de 2002). Mas é evidente que, cessada a intervenção, tais serviços já não seriam necessários, e o contrato foi firmado no mesmo dia (presume-se concomitantemente) do levantamento da intervenção, com a assinatura do termo de confissão de dívida de fls. 318.
Isso está confirmado na confissão de Samy: “A vereadora Mirian Athié foi contratada em janeiro de 2003, através do advogado Jorge Kengo Fukuda, por R$ 250.000,00, para ajudá-lo na retomada da administração da TUCT e na licitação do sistema de transporte que seria aberta” (cf. fls. 3.410).
Ora, a retomada da administração da TUCT pelo estelionatário (assim condenado) Samy somente poderia ocorrer se tivesse bens suficientes para garantir a dívida com a SPTRANS, o que, por qualquer motivo, não ocorria, mediante fraude no oferecimento de garantia manifestamente insuficiente (super-avaliada) e de origem duvidosa (sem título de propriedade registrado).
Isso somente foi possível graças à “orientação jurídica” montada pela vereadora e pelo advogado Fukuda e prontamente aceita pela advogada da SPTrans e pelo presidente dessa estatal.
Com efeito: como é possível admitir que advogado designado justamente para analisar a documentação oferecida tivesse dado seu aval a um documento particular de propriedade não registrado e a um laudo de avaliação também particular sem maior análise e sem qualquer diligência? Ou se está diante de absoluta incompetência profissional (culpa grave), ou, de dolo, porque soube da incompetência. É certo que, por detrás de tudo, estava a Vereadora, a atestar a idoneidade do interessado, e a assessora deixou de exercer o papel que lhe era destinado, ignorando a apresentação, ou foi “seduzida” por oferta escusa dessa apresentante. Em qualquer uma das hipóteses, dolosa ou culposamente, faltou com o dever do cargo acarretando prejuízo à Administração.
Gerson Luis Bittencourt, presidente da estatal, supõe-se que tivesse experiência suficiente no trato com os empresários do setor e deveria ter o cuidado necessário para determinar o levantamento da interdição. Supõe-se também que estivesse a par da competência e integridade de sua assessora jurídica, mantendo-a no cargo (caso contrário, deveria tê-la exonerado).
Como antes referido, o interventor, Valdemar (testemunha no processo criminal, fls. 2.545) “confirmou tê-la encontrado com os estoques vazios e com a frota de ônibus em péssimo estado de conservação, com pneus carecas e peças sucateadas. Aduziu que depois do término da intervenção [22/janeiro] teve que retomar em fevereiro, oportunidade em que constatou que nenhuma compra havia sido feita pelos acusados, os quais apenas tinham efetuado retiradas de valores e de bens da empresa”.
O próprio Gerson Bittencourt (em depoimento como testemunha no processo criminal) afirmou que “a TUCT estava um verdadeiro caos quando ocorreu a intervenção, o que torna incontroversa a necessidade dos aportes realizados pela SPTrans”, “injetou milhões de reais” (fls. 2.545).
Ora, além da temeridade de autorizar o aporte de vultosa importância em favor de empresa totalmente sem condições de operar (“estoques vazios e com a frota de ônibus em péssimo estado de conservação, com pneus carecas e peças sucateadas”), o presidente da SPTrans, ciente de que a permissionária devia R$ 11.591.361,06 (valor este mencionado nos autos), deveria ter sido mais cuidadoso em autorizar o levantamento da intervenção e transferir o controle à pessoa que, embora avalizada por vereadora, não tinha condições morais, operacionais e econômico-financeiras de gerir o negócio.
Seja admitindo a indevida interferência política da vereadora, seja aceitando parecer (não vi nos autos) de sua assessora jurídica, sem maior cuidado, praticou no mínimo culpa grave, a dano da estatal.
Dispõe o artigo 37, § 4º da Constituição Federal: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”
A lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade) define os atos de improbidade administrativa e as respectivas sanções, classificando-os em três categorias: Atos de Improbidade que Importam Enriquecimento Ilícito (art. 9º)*; Atos de Improbidade que Causam Prejuízo ao Erário (art. 10)*; Atos de Improbidade que atentam contra os Princípios da Administração Pública.
Suficientemente comprovado que os réus violaram as normas legais descritas.
Por todo o exposto, julgo procedente o pedido, para:
a) condenar a empresa TRANSPORTES URBANOS CIDADE TIRADENTES LTDA., por infração ao artigo 9º, I, da lei nº 8.429/92, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais e creditícios, pelo prazo de cinco anos (artigos 3º e 12, I);
b) condenar MIRIAN ATHIÉ, MILTON SÉRGIO JÚNIOR e JORGE KENGO FUKUDA, por infração ao artigo 9º, I, da lei nº 8.429/92, à perda do valor acrescido ilicitamente ao seu patrimônio (R$ 40.000,00), à perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por oito anos, ao pagamento de multa civil no equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais e creditícios, pelo prazo de cinco anos (artigos 3º e 12, I);
c) condenar GERSON LUÍS BITTENCOURT e ROBERTA ARANTES LANHOSO, por infração ao artigo 11, caput, da lei nº 8.429/92, à perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por três anos, ao pagamento de multa civil no equivalente a 10 (dez) vezes o valor da remuneração recebida na época dos fatos e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais e creditícios, pelo prazo de três anos (artigo 12, III).
d) Condenar todos no pagamento de eventuais custas processuais. Todos os valores serão corrigidos pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça e revertidas aos cofres da Prefeitura Municipal.
P.R.I.
São Paulo, 28 de janeiro de 2010.
VALTER ALEXANDRE MENA
JUIZ DE DIREITO

Parabéns pelo seu trabalho jornalístico de grande valia e esclarecedor especialmente para os Conselheiros, Sócios e Torcedores do SC CORINTHIANS PAULISTA
Parabéns 👏👏👏👏👏