Procuradoria de Justiça manifesta-se contraria à anulação do processo Corinthians – Vai de Bet

No último dia 15, a Procuradoria de Justiça, em parecer assinado por Luiz Fernando Rodrigues Pinto Junior, posicionou-se contrária a enterrar a ação que julgará Augusto Melo, Sérgio Moura e Marcelo Mariano sob acusação de formarem quadrilha para furtar os cofres do Corinthians.
O famoso ‘caso Vai de Bet’
O HC foi impetrado pelos advogados Ricardo Hasson Sayeg, Rodrigo Campos Hasson Sayeg e Ricardo Jorge – ex-diretor do Timão e advogado, também de Marcos Boccatto, do Água Santa.
Dentre as argumentações, a principal seria a de que a policia teria se utilizado, ilegalmente, de provas do COAF que acabaram por encontrar movimentações suspeitas nas contas de Augusto Melo.
Há porém, como demonstram jurisprudências, decisões do STF que permitem o repasse destes dados sem a necessidade de autorização judicial prévia – desde que utilizados para elucidação de crimes.
A decisão agora, diante das argumentações das partes, está a cargo da 8ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP.
Maria Cecília Leone, relatora do processo, havia negado pedido liminar dos impetrantes.
Íntegra do Parecer da Procuradoria de Justiça
Trata-se de habeas corpus impetrado pelos advogados Ricardo Hasson Sayeg, Rodrigo Campos Hasson Sayeg e Ricardo Jorge, com pedido liminar, em favor de Augusto Pereira de Melo apontando como autoridade coatora o MM. Juízo de Direito da 2a Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital do Foro Central Criminal Barra Funda nos autos em epígrafe pela prática dos crimes de associação criminosa, furto qualificado e lavagem de capitais.
Os impetrantes, em suma, alegam que a denúncia contra o paciente foi baseada em Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) produzidos pelo COAF, obtidos sem autorização judicial. E, portanto, sustentam que a solicitação direta desses relatórios pela autoridade policial é considerada inconstitucional e ilegal, violando o direito à
intimidade e à privacidade. Pleiteiam a concessão liminar para suspender imediatamente a ação penal e, ao final, o reconhecimento da ilicitude dos RIFs e das provas derivadas com a declaração de nulidade da denúncia e do ato de seu recebimento.
Negada a liminar (fls. 109/111), as informações foram prestadas (fls. 117/120) e vieram os autos para Parecer.
Brevemente relatado, analiso.
Consoante verte dos autos principais o paciente está sendo processado pela prática dos artigos 288, caput; artigo 155, §4o, incisos II e IV, ambos do Código Penal; e artigo 1o, § 1o, inciso II, e §4oda lei no 9.613/98; todos na forma do artigo 69 do Código Penal, porque trecho da denúncia indica que: “em data incerta, mas a partir do ano de 2023 até meados de maio de 2024, em local incerto, na cidade de São Paulo, na Capital, AUGUSTO PEREIRA DE MELO, MARCELO MARIANO DOS SANTOS, SÉRGIO LARA MUZEL DE MOURA e ALEX FERNANDO ANDRÉ se associaram para o fim específico de cometer crimes de furto qualificado e lavagem de capitais.1.2.
Consta, ainda, que entre os dias 18 e 21 de março de 2024, em horário incerto, Rua São Jorge, 777, no bairro do Tatuapé, na cidade de São Paulo, AUGUSTO PEREIRA DE MELO, MARCELO MARIANO DOS SANTOS, SÉRGIO LARA MUZEL DE MOURA e ALEX FERNANDO ANDRÉ, agindo em concurso de agentes, evidenciados pela unidade de desígnios e identidade de propósitos, subtraíram, para si e para outrem, mediante fraude e com abuso de confiança, a quantia de R$ 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil reais) da entidade associativa Sport Club Corinthians Paulista, associação civil sem fins lucrativos, CNPJ n. 61.902.722/0001-26.1.3.
Consta, também, que entre os dias 21 e 28 de março de 2024, em horário e local incertos, porém na Cidade de São Paulo, AUGUSTO PEREIRA DE MELO, MARCELO MARIANO DOS SANTOS, SÉRGIO LARA MUZEL DE MOURA, ALEX FERNANDO ANDRÉ, VICTOR HENRIQUE DE OLIVEIRA SHIMADA e ULISSES DE SOUZA JORGE agindo em concurso de agentes, evidenciados pela unidade de desígnios e identidade de propósitos, dissimularam, reiteradamente e mediante sucessiva transferências financeiras entre empresas de fachada, a origem e propriedade de valores provenientes dos crimes de associação criminosa e furto qualificado.
A presente denúncia tem como objeto crimes cometidos na gestão do Sport Club Corinthians Paulista por (i) AUGUSTO PEREIRA DE MELO, na qualidade de Presidente da Diretoria Executiva; (ii) MARCELO MARIANO DOS SANTOS, na qualidade de Diretor Administrativo; (iii) SÉRGIO LARA MUZEL DE MOURA, na qualidade de Superintendente (Diretor) de Marketing; (iv) ALEX FERNANDO ANDRÉ, na qualidade de falso intermediador e pessoa interposta dos atos simulados; (v) VICTOR HENRIQUE DE OLIVEIRA SHIMADA, na qualidade de operador financeiro de empresa que se destina, ainda que parcialmente, ao branqueamento de valores de origem ilícita; (vi) ULISSES DE SOUZA JORGE, agenciador de futebol e sócio de empresa que se destinou ao branqueamento de valores de origem ilícita. 2.1. A investigação, presidida pela Autoridade Policial, com apoio deste Grupo Especial de Atuação e Combate ao Crime Organizado (GAECO), está consubstanciada pela quebra fiscal e bancária, quebra telemática e nas demais diligências presididas pela autoridade policial, consubstanciadas sobretudo no Relatório de Análise de Evidências e de Investigação (AMSA 01/25), Relatório Técnico Parcial de Análise de Dados Financeiros e Bancários (P. 1), Relatório Técnico Parcial de Análise de Dados Financeiros e Bancários e Conclusões Inferenciais (P. 2), Relatório de Inteligência (RELINT), além dos Relatórios de Inteligência Financeira do COAF. (…)” (fls. 3756/3798 dos autos de origem).
Preliminarmente, o habeas corpus, direito fundamental, tem previsão no art. 5o, LXVIII, da Constituição Federal que assim preconiza:
LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
A norma é regulamentada pelo Código de Processo Penal, em seus artigos 647 e seguintes.
O constrangimento ilegal vem previsto no art. 648, II, do mesmo Código e observa-se que não se adequa o caso concreto a tal hipótese.
Logo de início convém mencionar que a validade e valoração concreta de cada prova existente na ação penal é matéria reservada ao conhecimento do mérito da própria demanda, não sendo o caso de se pré-excluir qualquer prova, notadamente porque não foi obtida por meios ilícitos.
Observo a impossibilidade de buscar discussão da temática em pauta em sede de habeas corpus, tática aliás muito usual atualmente, colocando de lado todo o detalhado trabalho e argumentos desenvolvidos em primeiro grau.
O habeas corpus não é a via adequada para o exame aprofundado da legalidade da prova, especialmente quando há necessidade de dilação probatória. A discussão sobre a licitude dos RIFs e sua eventual contaminação das demais, provas devem ser enfrentadas no curso regular da ação penal, por meio de incidente de prova ou recurso próprio.
E vou além, sem qualquer urgência, a impetração quer solucionar assuntos incompatíveis com procedimento célere e manejando alegações lastreadas em
argumentos meramente formais (diga-se, ainda que equivocados) sem demonstração de prejuízo efetivo merecedor da urgência invocada.
Desse modo, não se vislumbra manifesta ilegalidade a ser conjurada na ação penal que tramita contra o paciente, uma vez que – in casu – estão presentes os pressupostos para o seu prosseguimento.
Há, portanto, elementos que apontam para uma possível autoria a ele atribuída, valendo lembrar que se mostra inviável qualquer discussão sobre a sua inocência, vez que se trata de questão relacionada ao mérito da ação penal, cuja análise demandaria exame aprofundado do acervo probatório, atividade, consabida, incondizente com a estreiteza do writ.
Outrossim, a impetração sustenta que a denúncia estaria fundada em prova ilícita, consistente em Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) produzidos pelo COAF, obtidos sem autorização judicial. Entretanto, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) atua como órgão de inteligência financeira, com atribuição legal para identificar operações suspeitas de lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros. O art. 15 da Lei no 9.613/1998 autoriza o compartilhamento de informações com órgãos de persecução penal, inclusive de forma espontânea.
Assim, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 990 da repercussão geral (RE 1.055.941), reconheceu a constitucionalidade do compartilhamento espontâneo de informações sigilosas por órgãos como o COAF e a Receita Federal com o Ministério Público, sem necessidade de autorização judicial prévia.
Ademais, a impetração não comprova, de forma objetiva e concreta, que os RIFs foram a única base da denúncia, tampouco que não existam outras provas autônomas que sustentem a materialidade e autoria dos fatos imputados.
In casu, verifica-se que a denúncia (fls. 3756/3798 dos autos de origem), seguiu os ditames do artigo 41 do Código de Processo Penal, aflorando indícios de autoria delitiva, consoante a descrição objetiva do fato típico e ilícito, com suas circunstâncias.
Assim, a denúncia foi corretamente recebida (fls. 3907/3913, idem), de forma que o afastamento da imputação somente seria possível após o cotejo das provas produzidas durante a instrução criminal. A decisão de recebimento goza de presunção de legalidade e está devidamente fundamentada. A alegação de ausência de fundamentação idônea não se sustenta, pois o juízo de admissibilidade da denúncia exige apenas a presença de indícios mínimos de autoria e materialidade, o que foi atendido.
Recorde-se que, nessa fase, na dúvida, pro societate.
Posto isto, por todos os argumentos trazidos, e sem qualquer constrangimento ilegal, o Parecer é pelo não conhecimento do pedido, ou de outra forma, se conhecido, pela denegação da ordem.
São Paulo, 15 de agosto de 2025.
Luiz Fernando Rodrigues Pinto Junior
Procurador de Justiça
