Do OMBUDSMAN DA FOLHA
Árvores, postes e até privatização superam o fato principal, a crise climática
A semana começa atrasada, confusa, sem energia, sem internet. A árvore da rua, mal podada, porque podar não é apenas liberar espaço para os fios, mas um exercício complexo de preservação e estética, devolve o descaso. O galho principal, fragilizado pelo corte burocrático, desaba em cima do poste ao lado, levando os cabos e a luz por quatro dias.
Entre velas e o modo “economia de energia” do celular, a notícia não chega. Quando enfim ela aparece, a discussão é como enterrar fios pela cidade de subterrâneo não menos caótico, como lidar com serviços públicos e monopólios privados, o oportunismo de legisladores bradando CPIs e o discurso vazio de governantes. O fato principal, no entanto, a razão de mais uma “tragédia natural”, aspas obrigatórias, ainda é tratado como uma questão subsidiária.
Há uma novidade. A crise climática se impõe. Os recordes de chuva, calor e vento, ciclones, enchentes, deslizamentos de terra e secas, “o ano mais quente em 125 mil anos”, tudo isso está posto. Nem o agronegócio, de olho nas quebras de safra e nos seguros pagos pelo governo ao qual faz oposição, consegue ignorar o problema. A fase da negação pura e simples parece superada.
O passo seguinte é mais largo. É encarar o gigantismo do problema e não se perder entre os inúmeros desafios imediatos, que se confundem com o despreparo cotidiano do país.
Na Folha, o título do editorial promete reflexão: “Apagão climático”. O texto, porém, desfia as incompetências da prefeitura paulistana e da Enel, a criticada concessionária de energia da região metropolitana. A admissão de que “eventos climáticos extremos serão cada vez mais frequentes” está lá, mas apenas para justificar a cobrança do que já deveria estar sendo feito, podas, fios, fiscalização, não do que precisará ser pensado e realizado.
Na mesma terça-feira (7), o Jornal Nacional põe o assunto na escalada e na reportagem de abertura: São Paulo e grande parte do país precisam buscar a resiliência climática e “estão atrasados”. Em poucas palavras, a discussão não é sobre mudar árvores ou postes de lugar, mas vias, bairros, populações inteiras e minimizar as próximas catástrofes.
Imprensa e autoridades precisam de ambição, não por conveniência, mas por contingência do momento. A que demonstrou Michael Bloomberg, então prefeito de Nova York, logo após a passagem devastadora do furacão Sandy pela cidade, em outro início de novembro, há 11 anos.
Sem menosprezar os obstáculos de curto prazo no atendimento da enorme população afetada, não teve receio de apontar para o problema de verdade, a brutal mudança climática gestada neste antropoceno: “Podemos ver ou não outra tempestade como esta em nossas vidas, mas não acho justo deixar para nossos filhos a responsabilidade de terem que se preparar para isso”.
Filhos? A conta já chegou.