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De O GLOBO

Por CÓRA RONAI

Como mostrou no ‘Conversa com Bial’, ele está em paz e aparentemente feliz

Um dia, quando criar juízo, o mundo vai olhar para trás e se perguntar como foi possível que um homem como Woody Allen pudesse ser cancelado por uma história tão mal contada como o roteiro que Mia Farrow desenhou para vê-lo arder no inferno.

Um dia, quando criar juízo, o mundo vai olhar para trás e se perguntar como foi possível que tantas pessoas bem-intencionadas achassem perfeitamente razoável linchar o artista, cancelar a sua obra extraordinária e ignorar, de propósito, todos os fatos a seu favor — a começar pela verdade não desprezível de que nada, jamais, ficou provado contra ele; a tal ponto que nunca foi processado.

Aliás, um dia, quando criar juízo, o mundo vai olhar para trás e se perguntar como foi possível que se desenvolvesse numa sociedade supostamente esclarecida algo tão violento e repressor quanto a cultura do cancelamento.

(Quem está acompanhando o “Big Brother” já começou a perceber isso.)

Alguma chance de o mundo criar juízo? Não. Mas há antecedentes que permitem algum otimismo em casos de graves injustiças sociais.

Não que isso faça qualquer diferença para Woody Allen. Ele está com 85 anos, passou as últimas décadas envenenado e o #metoo o transformou num pária cultural. Atores que se fizeram graças aos seus filmes o renegaram, a Amazon rompeu contrato, a editora Hachette recusou-se a publicar a sua autobiografia. Pior para a Hachette: o livro, que já saiu em português (Globo Livros, tradução de Santiago Nazarian), é delicioso de ler.

Qualquer um no seu lugar seria uma pessoa amarga. Não ele. Woody Allen é pessimista sim, acha que a vida não faz sentido e que não tem final feliz, mas, no fundo, o seu pessimismo é mais conclusão filosófica do que vocação existencial.

Vê-lo no “Conversa com Bial” foi como reencontrar um velho e querido amigo, e ter a alegria de constatar como está bem. A mesma cara icônica de sempre, o mesmo humor sutil, a mesma inteligência cintilante.

A vantagem de nunca ter sido um galã é que a sua aparência não desaponta, e ninguém vai exclamar, em choque, “como o Woody envelheceu”, a clássica e gerontofóbica metáfora para dizer que alguém ficou horrível.

Woody Allen não “envelheceu”: está apenas mais velho, como é normal acontecer com quem vive. Está em paz e aparentemente feliz — o que será, sempre, a sua melhor vingança.

Já Pedro Bial tem um problema: está bom demais. O formato do programa durante a pandemia, em que tanto ele quanto entrevistados permanecem em casa, é muito melhor do que o formato em tempos normais.

Talk shows tendem a ser muito parecidos, e os cenários diluem as suas diferenças, porque são sempre variações em torno da mesma mesa, do mesmo sofá, da banda ali ao lado.

No zoom não. No zoom é olho no olho, e o que há de cenário é, eventualmente, o pedacinho revelador da casa alheia. Único. As pessoas se aproximam com a distância e se abrem no espaço fechado: cria-se uma intimidade impossível no palco, diante da parafernália do estúdio de televisão.

Como fazer quando a epidemia passar?

Vai pensando, Bial, vai pensando.

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