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Por Dr. BRUNO MARINS DE ARAUJO*

Com o término da Série A do Campeonato Brasileiro de Futebol no ano de 2013, precisamente no dia 08 de dezembro, ficaram definidos o campeão, os classificados para a disputa da Libertadores da América e da Copa
Sulamericana do ano de 2014, como também, os rebaixados à serie B no ano seguinte.

Dentre os rebaixados, encontram-se os clubes Náutico, Ponte Preta,Vasco da Gama e Fluminense. Rebaixados, diga-se, por seu fraco desempenho dentro do campo de jogo.

Eis que, após o término do campeonato, surgiu uma dúvida acerca da regularidade das condições de jogo do jogador Héverton, da Portuguesa de Desportos, para a disputa da 38ª Rodada do Campeonato Brasileiro, em
partida contra o Grêmio.

Héverton fora julgado e punido por 02 (dois) jogos de suspensão pela expulsão ocorrida na 36ª Rodada do Campeonato Brasileiro, em sessão de julgamento da 4ª Comissão Disciplinar do STJD ocorrida na sexta-feira, dia 06 de dezembro de 2013.

Mas o que isso tem a ver com os rebaixados do campeonato?

Tudo a ver.

De acordo com o art. 214 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD:

“Art. 214. Incluir na equipe, ou fazer constar da súmula ou documento equivalente, atleta em situação irregular para participar de partida, prova ou equivalente.

PENA: perda do numero máximo de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).”

Pois bem, no caso em análise, o resultado da partida entre Portuguesa e Grêmio foi um empate por zero a zero.

Logo, ao ter escalado jogador, em tese, irregular, pois estaria suspenso por decisão do tribunal do dia 06 de dezembro de 2013, o clube perderia quatro de seus pontos, deixando-o com pontuação final de 44 (quarenta e quatro) pontos, o que significaria o seu rebaixamento à série inferior, pois o clube Fluminense (primeiro dos rebaixados) finalizou o campeonato com 46 (quarenta e seis) pontos.

Contudo, não há falar em irregularidade na escalação do jogador Héverton, da Portuguesa de Desportos, tendo o atleta condições de jogo para a partida disputada em 08 de dezembro de 2013 (domingo) pela 38ª Rodada do Campeonato Nacional, senão vejamos.

O art. 133 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD, em sua atual redação, aduz que:

“Art. 133. Proclamado o resultado do julgamento, a decisão produzirá efeitos imediatamente, independentemente de publicação ou da presença das partes ou de seus procuradores, desde que regularmente intimados para a sessão de julgamento, salvo na hipótese de decisão condenatória, cujos efeitos produzir-se-ão a partir do dia seguinte à proclamação (grifos nossos).”

A letra da lei é clara em aduzir que os efeitos da decisão (neste caso lato sensu) serão imediatos. Contudo, a própria lei faz uma ressalva fundamental (excerto supranegritado) no sentido de uma decisão condenatória.

No caso de decisões condenatórias, os efeitos destas “produzir-se-ão a partir do dia seguinte à proclamação”. Portanto, não há o que se interpretar, a lei é clara em aduzir que acórdãos condenatórios somente produzirão efeitos no dia seguinte. No caso em tela, o dia seguinte à decisão foi sábado, dia 07 de dezembro de 2013.

E chegamos, assim, ao cerne da discussão. Poderia essa decisão condenatória produzir efeitos no sábado?

No ponto de vista aqui discutido, a resposta é não.

Inserto no capítulo das penalidades do CBJD, o art. 171, que trata das penalidades por partida, é omisso sobre início dos efeitos da decisão condenatória, especialmente quando estas recaem em dias não úteis e finais
de semana.

Parte-se, então, para o Capítulo de Prazos previsto no CBJD. E é exatamente neste capítulo que se encontra a resposta sobre esta questão, mais precisamente no art. 43, §. 2º.

Diz o artigo 43, ‘caput’ e parágrafo segundo:

“Art. 43. Os prazos correrão da intimação ou citação e serão contados excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o dia do vencimento, salvo disposição em contrario.

(…)

§ 2º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o início ou vencimento cair em sábado, domingo, feriado ou em dia em que não houver expediente normal na sede do órgão judicante (grifos nossos).”

No caso em tela, ao aplicar-se o art. 133 do CBJD, sabe-se que os efeitos da decisão começarão a ter validade no dia seguinte do encerramento da sessão de julgamento.

Ocorre que, o dia seguinte ao julgamento foi um sábado, o que, pela aplicação do art. 43, §. 2º do CBJD, se prorrogaria automaticamente os efeitos dessa decisão para o primeiro dia útil seguinte, que aqui foi segunda-feira, dia 09 de dezembro de 2013, não estando, assim, o jogador Héverton da Portuguesa de Desportos, em condição irregular de jogo.

Por se tratar ainda de uma decisão não transitada em julgado, ou seja, passível de recurso, não se pode aplicar imediatamente os efeitos da decisão condenatória primeiro porque a lei proíbe (posterga para o dia seguinte) e
segundo porque não houve, no caso em discussão, possibilidade de apresentar-se recurso contra a decisão, seja com que fundamento for.

Pela sistemática processual e princípios processuais brasileiros, se repele uma situação como essa, onde uma decisão começa a surtir efeitos em dia não útil previsto em lei.

Na ausência de dispositivo específico para dirimir tal questão (princípio da especialidade), se faz uma interpretação sistemática do CBJD, o qual privilegia os princípios gerais do direito e do processo.

Os artigos 282 e 283 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD, trazem a seguinte redação:

“Art. 282. A interpretação das normas deste Código far-se-á com observância das regras gerais de hermenêutica, visando à defesa da disciplina, da moralidade do desporto e do espírito desportivo.”

“Art. 283. Os casos omissos e as lacunas deste Código serão resolvidos com a adoção dos princípios gerais de direito, dos princípios que regem este Código e das normas internacionais aceitas em cada modalidade, vedadas, na definição e qualificação de infrações, as decisões por analogia e a aplicação subsidiária de legislação não desportiva.”

Tais artigos trazem a integração da sistemática jusdesportiva, os quais privilegiam a moralidade do desporto, espírito desportivo e, principalmente, os princípios que regem este código (CBJD).

Os princípios que regem este código estão previstos (tipificados) em seu art. 2º. Dentre os princípios elencados em rol exemplificativo, estão expressos dois que são de suma importância para o caso em discussão e que
devem ser o norte dos auditores que julgarão a demanda de perda de pontos do clube. São eles: o princípio da prevalência, continuidade e estabilidade das competições – pro competitione (Art. 2º, XVII do CBJD) e o princípio do espírito desportivo – fair play (Art. 2º, XVIII do CBJD).

Na hora de interpretar este caso posto em tela e aplicar o código, esses princípios devem ser compulsoriamente observados.

O princípio da prevalência, continuidade e estabilidade das competições deve ser aplicado às últimas consequências, pois premia o mérito desportivo das equipes (essência de todo e qualquer desporto). E o princípio
do espírito desportivo é destinado àqueles que são derrotados no esporte, devendo estes aprender com a derrota para sua posterior edificação desportiva.

Os clubes rebaixados o foram pois não conseguiram apresentar um jogo competente durante um campeonato composto por trinta e oito rodadas.

Qualquer deles não pode ser beneficiado por uma interpretação equivocada da lei; aliás, uma interpretação que fere os princípios do código.

Se premiará a incompetência esportiva se isso ocorrer.

A aplicação errônea da lei ferirá esses dois princípios basilares do Direito Desportivo, punindo esportivamente uma equipe e salvando, odiosa e imoralmente, uma equipe que se demonstrou incompetente no decorrer na
competição.

Diante de todo o exposto, o art. 133 deverá cominado com o art. 43, §. 2º, ambos do CBJD, postergando os efeitos da decisão condenatória do atleta Héverton para a segunda-feira, dia 09 de dezembro de 2013, o que lhe garantiu as condições de jogo para a última rodada do Campeonato Brasileiro de Futebol, ocorrida no domingo, 08 de dezembro de 2013.

*Bruno Marins de Araujo é Advogado Especialista em Direito Desportivo pelo IBDD.

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