O vício do salto alto

Por SÓCRATES

http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=3525

Há pouco menos de um mês, desfiei aqui um leque de especulações que, por incrível que pareça, acabou se transformando em realidade. Não que tenhamos bola de cristal ou algo semelhante. Mas a experiência e certo conhecimento do ser humano, adquirido nesses mais de 30 anos de contato com os amantes do futebol, me oferecem a possibilidade de entender até o que ainda não ocorreu. O que, convenhamos, não é assim tão complicado, conhecendo o ser que, provavelmente, desencadeou a catástrofe. Alguém que vive em determinado ambiente, usufruindo de uma posição de comando de uma geração de jovens promessas, quase impúberes e sujeitas a todo tipo de influências, inclusive as mais nefastas, pode pôr tudo a perder.

Não me controlando, reproduzo parte dessas reflexões para que possamos entender o que se passa em Perdizes, São Paulo, além dos inúmeros alagamentos provocados pela inconsequente impermeabilização do solo paulistano. E tudo se passa pela pequenez em que fomos envoltos desde que nascemos: todos nós sofremos incontáveis influências que nos transformam cotidianamente, e isso nos coloca a cada momento em confronto com os sentimentos que tínhamos em um instante imediatamente anterior. Se hoje estamos bem e em paz, amanhã poderemos estar irritadiços e destilando agressividade.

O mesmo acontece num clube de futebol. Se na teoria temos um excepcional time, na prática isso pode não ocorrer. Até porque isso depende de como as pessoas que trabalham juntas se relacionam. E o bem-estar coletivo é uma construção que exige doação de todos os envolvidos. Sem ele, nada feito. Nem com todos os dólares produzidos pela Casa da Moeda americana até hoje.

Por outro lado, quando se reúnem em um mesmo time atletas com ambições semelhantes e com espírito comunitário em alta, o que vemos é um resultado muito bom. Existe um real altruísmo que passa a comandar as relações interpessoais gerando bem-estar e, consequentemente, uma extraordinária produção técnica, compatível com o desejável para a instituição.

É o que vejo na atual equipe do Palmeiras. Comparando os elencos de 2008 e 2009, percebe-se uma brutal diferença de comportamento. O time do ano passado era individualista e egoísta, características que destroem qualquer sonho de grandes realizações. O atual me parece unido o suficiente para conquistar o que quer que se pretenda. Respeitando-se, é claro, a capacidade técnica dos adversários que, sendo superior, determinará maior dificuldade ou mesmo a impossibilidade de que isso ocorra.

Entretanto, é necessário estar atento a uma das maiores fraquezas humanas, que é, em razão de determinados fatos ou ocasiões, acharmos que podemos ser Deus ou nos aproximar do que ele representa. Quando nos encontramos em situação superior, por qualquer motivo nem sempre palpável, temos a inclinação a menosprezar, arrogar, desprezar, intimidar e minimizar o resto da humanidade. Perdemos, neste momento, a capacidade de discernir exatamente quem somos e o que representamos, além de nos aflorarmos o direito de achar que somos diferentes e melhores que os demais.

Nada mais cego que esse tipo de sentimento. Felizmente, o passo a passo da vida, invariavelmente, nos devolve os pés ao chão com uma rapidez impressionante. Por nos tirar a vitória que achávamos que tínhamos conquistado e expor nossa mediocridade e insensatez. Todos estamos sujeitos a isso e no esporte não é diferente. O time do Palmeiras não pode cair nessa armadilha. Deve ficar de olhos e ouvidos bem atentos senão… A soberba atropela quem a veste.

Vinte dias depois, eu diria que o time do Palmeiras caiu na armadilha que os sentimentos mais mesquinhos armam contra qualquer ser humano desavisado ou inexperiente. Olhem em torno e perceberão que isso é muito mais frequente do que gostaríamos ou do que imaginávamos. Não exata ou exclusivamente por soberba, e sim por fraqueza. Simplesmente fraqueza! Algo que as ideologias sociopolíticas contemporâneas insistem em desclassificar, como se o pecado fosse ser apenas e tão-somente figuras humanas, e não super-homens.

Existe tempo para voltar à realidade e encarar a vida como se uma batalha fosse. Ainda existem condições de reencontrar no caminho um pouco da humildade que se foi desnecessariamente. Ainda temos tempo de repensar nossos propósitos de existência. E, finalmente, eu diria: nada mais belo que reconhecer o erro inconsciente que tudo leva para o ralo da mediocridade.

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