A ditadura das metas faz você acreditar que fracassou em 2025

Da FOLHA
Por NATALIA BEAUTY
- Ninguém atravessa um ano inteiro em linha reta, porque a vida acontece no meio do caminho
- Talvez os próximos 12 meses peçam mais presença, mais gentileza interna e menos punição
Todo fim de ano repete o mesmo ritual. A gente olha para trás com uma espécie de planilha mental e começa a marcar tudo aquilo que prometeu e não cumpriu. A academia que ficou para depois, o curso que nunca saiu do papel, a poupança que não cresceu, o relacionamento que não avançou, a versão ideal de si mesmo que, mais uma vez, não deu conta de existir. Em vez de encerrar o ano com a sensação de caminho percorrido, muita gente chega a dezembro se sentindo em dívida consigo.
O problema não está em sonhar, planejar ou desejar mudança. O problema começa quando metas viram instrumentos de culpa. Em vez de funcionarem como direção, elas se transformam em cobrança constante e cobrança desgasta, provoca ansiedade e rouba o prazer do presente. A promessa que deveria inspirar vira peso, o desejo que deveria mover vira comparação e a vida real perde espaço para uma vida idealizada que nunca chega.
Ninguém atravessa um ano inteiro em linha reta, porque a vida acontece no meio do caminho. Problemas surgem, prioridades mudam, o cansaço aparece, escolhas precisam ser revistas, e isso não é fracasso, é ajuste. Crescer também passa por recalcular rota, abandonar o que não faz mais sentido e aceitar que algumas metas não falharam, apenas não eram possíveis naquele momento.
Existe uma crueldade comum em se cobrar como se fosse máquina, como se não houvesse limites emocionais, físicos e mentais, como se todos os dias precisassem ser produtivos, todas as decisões impecáveis, todos os anos extraordinários. Essa lógica não sustenta ninguém por muito tempo, só alimenta frustração, exaustão e a sensação permanente de insuficiência.
Talvez esteja na hora de olhar para essa conta emocional das metas não cumpridas com mais honestidade, porque nem tudo ali é perda. Há esforço que não virou resultado, há aprendizado que não virou meta batida, há escolhas difíceis que protegeram você de situações piores e o saldo não aparece em planilha, mas existe.
Quando se reconhece isso, muda o olhar. Em vez de só listar o que faltou, passa a perceber o que foi sustentado, os dias atravessados, as renúncias necessárias, as pequenas vitórias que não geram aplauso, mas mantêm a vida em pé. É desse lugar que nasce um sentimento real de reconhecimento por si mesmo, não como discurso pronto, mas como consciência de percurso.
Pegar mais leve consigo não significa desistir de crescer. Significa crescer sem se violentar, entender que evolução também mora no descanso, no prazer, no cotidiano simples, e que viver bem não é cumprir todas as promessas, mas sustentar uma relação honesta consigo ao longo do tempo.
Talvez o próximo ano não precise de uma lista enorme de promessas. Talvez precise de mais presença, mais gentileza interna e menos punição. A vida não pede perfeição, pede continuidade.
Se fosse uma conversa entre amigos, o recado seria simples e direto: você não está atrasado e não fracassou, apenas viveu e isso, por si só, já conta muito.
