A fuga de Bolsonaro

Da FOLHA
Por LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO
- É improvável que escape, mas o Brasil é terra de roteiros improváveis
- Há histórico de fugas na Polícia Federal, mais ou menos mirabolantes
A transferência de Bolsonaro para sala especial da Polícia Federal em Brasília é capaz de gerar o sentimento de que, agora sim, está garantida a execução da lei penal.
Mas a Polícia Federal não é intransponível. Há histórico de fugas, mais ou menos mirabolantes.
Em abril de 2022, Alan Cléber, preso quando recebia encomenda de dinheiro falsificado adquirido pela internet, foge algemado da sede PF em Fortaleza logo após a realização da audiência de custódia: recapturado dois anos depois.
Em agosto de 2024, em Ribeirão Preto, preso por contrabando de cigarros, Eric Arantes, “calmo e colaborativo”, salta de repente da janela do primeiro andar. Do lado de fora da PF, recebe capacete e moto e, como que por encanto, desaparece: recapturado dias depois.
Em outubro de 1981 é a vez de Hosmany Ramos, o cirurgião plástico que se tornaria destacada celebridade do mundo do crime. Diferentemente de Eric, Hosmany sai da carceragem da PF no Rio de Janeiro pela porta da frente, caminhando e cumprimentando alegremente os zelosos policiais de plantão.
Ainda durante o regime militar, em 1982, o Departamento da Polícia Federal em São Paulo vivencia um vexame semelhante. O colunável italiano Mássimo Perazza, preso por ordem do STF para fins de extradição, sai também pela porta da frente da carceragem da rua Piauí, em Higienópolis, para, acompanhado de distraído agente policial, comprar os jornais de domingo. Mas não volta para a cela guarnecida por “quentinhas” de sofisticados restaurantes paulistanos. Pirulita-se, pega um táxi e, logo depois, parte para um país vizinho.
As condições de saúde de Jair Bolsonaro não permitem fuga marcada por aventuras e desconfortos, como a empreendida pelo delegado Alexandre Ramagem.
Refugiar-se em embaixada de país amigo também é operação arriscada. Julian Assange, fundador do WikiLeaks, permaneceu na Embaixada do Equador em Londres por cerca de sete anos: o asilo se converteu em cárcere. No caso de Bolsonaro, bastaria a necessidade de uma internação hospitalar para ser recapturado.
O plano de fuga de Bolsonaro depende de ativa colaboração de aliados. Sete dos 34 réus da trama golpista eram policiais federais. Condenados, Ramagem e Anderson Torres já foram exonerados, mas, certamente, ainda há na ativa policiais federais comprometidos com a estupidez bolsonarista.
Não se trata apenas de ideologia ou de corrupção. O que poderia explicar a fuga pela porta da frente é o relaxamento decorrente da relação de confiança que se estabelece entre prisioneiros poderosos e carcereiros vulneráveis, desenvolvida pela camaradagem e por desinteressada troca de favores. Conforme registro da imprensa, Bolsonaro acompanhou a ex-primeira-dama Michelle até a porta de saída da PF em seu primeiro dia de visita —gentileza que habitualmente não se concede a condenados.
A “engenhosa” tentativa de rompimento da tornozeleira eletrônica com ferro de solda permanece mal explicada e teve, aparentemente, a colaboração de alguém.
Sem anistia, além da saída discreta da Polícia Federal, o golpista Jair Bolsonaro precisaria de voo clandestino para país próximo e disposto a lhe conceder asilo político, mas o Brasil, importante lembrar, é terra de roteiros improváveis.
