Da FOLHA

Por JUCA KFOURI

No país sem pena perpétua, o técnico paga por não se desculpar do que não admite

O risco de perder o título brasileiro, que parecia garantido, fez o Botafogo cogitar a contratação do treinador Cuca, condenado a 15 meses, na Suíça, por crime sexual contra menor em 1987, pena que não cumpriu e já está prescrita.

À época ele ficou preso por um mês, em Berna, e de lá saiu, com seus três parceiros no ato hediondo, por intermediação da embaixada brasileira —e nunca mais voltou para se defender.

A história recente da curta permanência dele em mais uma lambança da diretoria do Corinthians é conhecida e dispensa repetições.

Tão rapidamente como surgiu a cogitação de ele ir para o Botafogo a ideia acabou arquivada, porque seria só o que faltava na fogueira em curso no alvinegro carioca.

A indignação de boa parte, e da parte boa, da sociedade deve ser aplaudida, como é obrigatório olhar para a situação do encalacrado profissional.

No Brasil não temos nem pena de morte nem prisão perpétua, mas Cuca está sob o risco de nunca mais encontrar clube que o contrate, mesmo com o currículo que tem e a inegável competência em seu ofício.

Acontece que ele jamais demonstrou qualquer arrependimento, nunca pediu desculpas, nem sequer admitiu a cena do crime.

Talvez só Freud explique a recusa, como se, diante da perversidade cometida, Cuca tenha tornado inaceitável para si mesmo ter feito o que a Justiça suíça julgou e condenou, até com suavidade.

De tanto negar para a esposa, para as filhas, para o mundo, Cuca se convenceu de que nada aconteceu e enterrou o episódio nas profundezas sombrias da sua alma.

Prefere o desemprego, até porque dinheiro não lhe falta, a admitir a culpa —humilhação inaceitável depois de 36 anos de mentiras.

Trata-se de beco sem saída, terrível, que expõe a condição humana, e revelador até de certa grandeza, do ponto de vista, bem entendido, da lealdade consigo mesmo: “Me arrebento, mas não dou o braço a torcer”.

A devoção dele a Nossa Senhora, o complexo de perseguição sempre demonstrado para explicar as derrotas dos times que dirigiu, tudo isso compõe a personalidade complexa do pecador sem pecado confessado.

Há casos assim até de presos em flagrante.

A brilhante vizinha Vera Iaconelli explicará o que nós, leigos, somos, no máximo, capazes de descrever e especular?

Tomara que ainda haja tempo para Cuca botar a cabeça no lugar.

Facebook Comments
Advertisements