Da FOLHA
Por ELIO GASPARI
A crise da segurança pública não tem bala de prata, mas, se os doutores pararem de empulhar, será um bom começo
Pela lógica, os bandidos delinquem, mas não faz sentido que as autoridades federais, estaduais e municipais cultivem a arte de empulhar o público. Depois do que aconteceu no Rio, Lula tirou do baralho a carta dos militares e saiu-se com a seguinte platitude:
“Eu já conversei com o Flávio Dino e vou conversar com o Múcio [Defesa]. Vamos usar a estrutura dos Ministérios da Justiça e da Defesa para ajudar a combater o crime organizado e a milícia no Rio.”
Se conversa resolvesse, o crime não estaria solto e, se as estruturas existentes servissem para alguma coisa, as milícias e as quadrilhas não teriam chegado ao nível em que estão.
Coisas como criar (ou extinguir) o Ministério da Segurança Pública, inventar forças-tarefa ou mudanças nas leis são apenas truques verbais.
A crise da segurança pública não tem bala de prata, mas, se os doutores pararem de empulhar, será um bom começo.
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, é o personagem patético e simbólico da desordem geral, proclamou: “Zinho, Tandera e Abelha: não descansaremos enquanto não os prendermos.”
Referia-se aos três chefes de quadrilhas de milicianos e traficantes.
A biografia da trinca é uma viagem à ruína que Cláudio Castro herdou e ceva.
Zinho foi preso em 2015, em companhia de um guarda-costas que pertencia aos quadros da Polícia Militar. Além de armas, o miliciano guardava um caderno com parte da contabilidade de seus negócios. Cinco dias depois, ganhou um habeas corpus do plantonista do Tribunal de Justiça.
Solto, Zinho escafedeu-se. Na segunda-feira passada, a polícia matou seu sobrinho Faustão e deu no que deu. Passa-se assim a outro braço da ruína: o bandido chefia sua milícia porque seus dois irmãos, Carlinhos Três Pontes e Ecko, foram mortos pela polícia.
Tandera também foi preso, duas vezes. Na primeira, viu-se absolvido. Na segunda, fugiu. Em 2020 a polícia matou 17 pessoas do Bonde do Ecko. Entre eles estava René, um ex-PM que controlava uma franquia da quadrilha em Itaguaí. Tandera ascendeu na hierarquia do grupo e passou também a criar cavalos manga-larga.
Abelha, o terceiro bandido, é acima de tudo um traficante. Quando esteve na cadeia foi até visitado pelo secretário de Administração Penitenciária do Rio, preso mais tarde pela Polícia Federal. Ele estava preso em 2021 e saiu da cadeia com alvará de soltura falso, carregando consigo um mandado de prisão. Ele teria sido o responsável pela devolução de oito metralhadoras roubadas no arsenal de São Paulo.
Os três bandidos mencionados por Cláudio Castro já foram presos. Um fugiu, outro deu um golpe e o terceiro foi libertado por um juiz. Em paralelo à ascensão da trinca foram mortos pela polícia pelo menos 5 de seus chefes e cerca de 50 “suspeitos” em ações espetaculosas da polícia.
O PODEROSO DEPUTADO CANELLA
O governador Cláudio Castro extinguiu a Secretaria da Segurança e trabalha com duas, a Civil e a Militar.
Em três anos, Castro teve quatro secretários da Polícia Civil. O terceiro ficou um mês na cadeira e foi dispensado porque não atendia direito os pedidos de deputados estaduais. Para o lugar, foi o delegado Marcus Amin, vindo da direção do Detran. Foi empossado graças a uma pirueta, pois não preenchia requisitos legais.
No ano passado, por iniciativa do deputado Márcio Canella, o delegado Amin recebeu a medalha Tiradentes. Até aí, nada demais. Um bom delegado pode dirigir o Detran e ser promovido para a Secretaria da Polícia Civil.
A coisa complica quando se olha para o padrinho. O deputado tem seu reduto eleitoral na Baixada Fluminense. Entre seus cabos eleitorais na eleição de 2022 estava o miliciano Jura.
Canella foi o deputado estadual mais votado em 2022, mas nenhum candidato está livre do apoio de um miliciano como Jura, um ex-PM, condenado a 26 anos de prisão em 2014.
Em julho de 2017, a Justiça colocou o miliciano no regime de prisão semiaberta, e ele foi nomeado para a assessoria da Secretaria de Ordem Urbana de Belford Roxo. (O benefício foi suspenso em 2020.)
A mulher de Jura trabalha no gabinete do deputado Márcio Canella.
O fundador da milícia de Jura foi profético ao criá-la. Ela se chama “Somos Comunidade”.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e não sai mais de casa desde a hora em que soube que o ministro da Justiça, Flávio Dino, recusou-se a comparecer a uma reunião de colegiado de Segurança Pública porque temia pela sua integridade física.
No dia seguinte ele foi, mas o cretino acredita que, se o ministro da Justiça são se sente seguro para ir ao Congresso, um idiota qualquer, como ele, não deve ir a lugar algum.