O vício do ‘já ganhou’

Por SÓCRATES

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Lembrei-me da final de uma Copa Sul-Americana de uns dez anos atrás, que nos mostrou com absoluta clareza um pouco daquilo que chamamos de futebol. Apesar de muitos ainda não estarem seguros do quanto é importante o comportamento emocional, a partir de um determinado contexto psicológico, para quem trabalha na presença de público, aquela partida, creio, necessariamente nos leva a uma análise que passa por aí.

Era um Palmeiras e Vasco de Romário. Foi o primeiro time que formatou a linguagem do jogo. Com meio minuto de partida, já estava claro que a diferença de conduta anímica proporcionaria vantagens absolutas ao time da casa. Entregando-se de forma consciente à sua proposta, dominou todos os movimentos. Poucos dias antes, o desempenho de alguns jogadores havia sido fator determinante da capacidade vascaína na partida da semifinal, mas naquela partida não conseguiam acertar sequer uma jogada.

Enquanto isso, o Verde passeava com fúria pelo gramado. Envolvente e constante, levou a partida conforme seus objetivos. Chegou aos três gols com facilidade. E ali o título parecia decidido. Não pelo resultado parcial em si, mas principalmente pela enorme diferença de postura. O intervalo foi pautado pelas comemorações. Sorrisos enormes demonstravam a certeza da conquista. Apesar de uma vez ou outra lembrar a todos que nada ainda havia sido decidido, na alma da equipe isto não fazia o menor sentido.

Um time que estava morto em campo, desanimado, sem vontade e acomodado poderia afrontar tamanha diferença e reverter o que fora determinado até ali? O jogo estava ganho no coração dos jogadores e do público. Era só esperar que passasse o tempo para poder dar a volta olímpica, sentida como mais que merecida por eles. E esse clima destruiu o poder do Palmeiras.

Ainda faltava um tempo de partida, mas seus jogadores haviam deixado o gramado. Mas como não poderiam, na prática, deixar de voltar a campo, pois perderiam por WO, retornaram seus corpos, mas as almas já se inebriavam na imensa garrafa de champanhe comemorativa, ainda nos vestiários.

Mesmo com as mudanças na equipe, o Vasco pouco mudou em relação ao primeiro tempo. A grande diferença estava do outro lado do campo, como se outro time agora os enfrentasse. Como a indiferença e o descuido jamais foram protagonistas de um jogo de futebol, lentamente a equipe carioca foi se aproximando do impensável. Aos quinze minutos, um gol, aos vinte, outro, aos 35 minutos, o empate. E, aos 47 do segundo tempo, o gol da vitória.

Quando reencontraram suas almas, os jogadores do Palmeiras se deram conta de que é impensável dispensá-las, mesmo que por breves instantes. Esta dissociação provoca danos irreversíveis a curto prazo, porém muito nos faz crescer ao entendermos as particularidades de cada momento que podemos viver.

Associação de clubes

Nasce uma associação de clubes formadores de atletas que, enfim, resolveram se organizar para pleitear o que lhes é de direito: verbas da Lei Piva para executar projetos esportivos. É uma atitude absolutamente esperada. A nossa estrutura esportiva está há muito tempo nas mãos de uma classe dirigente, que dela se apossou como se fosse uma herança, manipulada antes mesmo da definição do espólio. Essa classe não quer perder essa mina de ouro por nada deste mundo, mesmo realizando administrações absolutamente incompetentes e que de nada servem ao esporte.

As modificações que esperávamos que ocorressem já deveriam ter provocado um sem-número de conflitos deste tipo, entre o velho e irracional oligopólio, que usufrui de nosso esporte, e o empreendedor que tem uma visão clara da potencialidade deste. Os dirigentes utilizam seus cargos com o único intuito de promover uma festa de mordomias, de empregar seus mais próximos colaboradores, de manipular suas verbas sem controle, pois as entidades que deveriam ter este papel também fazem parte do mesmo processo, inclusive a maioria dos presidentes de federação.

Infelizmente, esta é a realidade em todos os nossos esportes e que piora quanto mais discretos eles forem. Desmoralizada é nossa realidade esportiva. Convive com esse tipo de atitude e pouco faz para torná-la transparente, para torná-la compatível com nossa imensa capacidade de formar talentos, quase sempre ao largo das estruturas oficiais. Esperamos que desta vez a vitória seja da competência e que a arcaica estrutura se desmorone.

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