Do CORREIO BRAZILIENSE

 

Benefício sem controle


Investigada pela Polícia Civil e Ministério Público, Federação Paulista de Hipismo foi autorizada pelo Ministério do Esporte a captar doações entre empresas. No ano passado, a entidade angariou R$ 4,8 milhões

 

Izabelle Torres


Alvo de questionamentos por conta dos critérios usados para aprovar projetos referentes à lei que concede deduções fiscais a empresas que financiam entidades desportivas, o Ministério do Esporte também peca pela falta de controle de procedimentos judiciais que envolvem as instituições favorecidas pela Lei de Incentivo ao Esporte.

 

É o que sugere o inquérito aberto em 2008 contra a Federação Paulista de Hipismo, que investiga se a entidade fraudou dados contábeis para sonegar impostos.

 

Apesar de ser alvo de investigação pela Polícia Civil de São Paulo e pelo Ministério Público do estado, a federação recebeu o aval da pasta para receber cerca de R$ 4,8 milhões no ano passado e está autorizada a captar outros R$ 2,7 milhões este ano.

O processo judicial está em fase de investigação, mas, mesmo assim, a entidade já conseguiu de 10 empresas privadas doações para “o fortalecimento do hipismo”.

 

Em troca, o governo concedeu descontos no Imposto de Renda aos doadores.

 

Tão impressionante quanto a constatação de que o ministério sequer analisa o histórico das instituições que serão beneficiadas com doações é a falta de argumentos apresentados pela assessoria da pasta a fim de justificar a ausência de fiscalização.

 

Apesar de informar que a Lei de Incentivo ao Esporte exige a apresentação de certidões negativas fiscais, a assessoria não explica por que não sabia da existência de um inquérito aberto contra a Federação Paulista de Hipismo.

 

Tampouco sabe dizer o motivo de os órgãos que compõem a pasta não investigarem o histórico e a conduta das entidades que pleiteiam o aval para receber doações.

Denúncia e defesa


O inquérito que tramita no 96º Distrito Policial de São Paulo investiga supostas irregularidades na Federação Paulista de Hipismo e é resultado das denúncias apresentadas por Eduardo Costa Travassos, ex-sócio do Clube de Campo de São Paulo.

 

Segundo Travassos, a antiga diretoria da entidade realizou uma gestão fraudulenta e sonegou impostos.

 

Do inquérito consta o depoimento da ex-contadora da federação Amélia Tokie Kiuti, no qual ela afirma que havia um acordo entre dirigentes e filiados para que não fossem recolhidos valores referentes ao Imposto de Renda dos prestadores de serviço.

 

O ministério não parece preocupado com o teor da denúncia.

 

No sábado passado, o ministro Orlando Silva participou de uma solenidade na federação, onde foi homenageado pelos serviços prestados ao hipismo.

A Federação Paulista nega as acusações de Travassos.

 

De acordo com o assessor da entidade Cleinaldo Simões, o inquérito foi aberto porque depois de ser expulso do clube o autor da denúncia se tornou inimigo do ex-dirigente da entidade Luiz Roberto Giugni, hoje presidente da Confederação Brasileira de Hipismo.

 

Por conta das divergências entre os dois, Giugni abriu processo contra Travassos por difamação e conduta caluniosa.

 

Em janeiro, a 22ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo condenou o denunciante pelos dois crimes e concedeu uma liminar que impede o desafeto de Giugni de divulgar acusações.

A Lei de Incentivo ao Esporte foi aprovada em 2006 depois de passar cerca de 20 anos tramitando no Congresso.

 

Durante décadas, entidades e atletas fizeram campanhas em defesa da norma, considerada por especialistas uma grande esperança para o desenvolvimento do desporto no país.

 

A lei prevê que empresas privadas patrocinem o esporte em troca de incentivos fiscais.

 

Ou seja, que doações feitas a projetos desportivos possam ser descontadas do Imposto de Renda.

 

Segundo a norma, esses gastos poderão ser deduzidos em até 6% para pessoas físicas e 1% para pessoas jurídicas.

 

A lista de entidades beneficiadas é extensa e composta principalmente por clubes e instituições de grandes porte.

 

Isso porque como o ministério apenas aprova as propostas apresentadas cabe às empresas escolher a quem darão dinheiro.

Falta de rigor e transparência


O caso da Federação Paulista de Hipismo é um exemplo da falta de rigor do Ministério do Esporte com os critérios usados para beneficiar entidades à custa de incentivos fiscais.

 

Independentemente de quem tem razão na briga entre Eduardo Travassos e Luiz Roberto Giugni, o fato é que a pasta que deveria investigar a conduta das instituições pouco caso faz das suspeitas em torno delas.

 

Pior do que isso: a comissão escolhida pelo ministro Orlando Silva para analisar os projetos sequer sabia do inquérito aberto contra a federação.

Como era de se esperar, nem mesmo o princípio de presunção de inocência foi ressaltado pela assessoria da pasta, que sempre dá respostas vagas e incompletas, em vez de explicar por que o ministério aprova projetos sem investigar o histórico das instituições.

 

Mesmo que a pasta recorresse ao texto constitucional que resguarda a condição de inocência até o fim dos processos, ainda teríamos uma situação dramática.

 

Isso porque, se a aprovação dos projetos e as doações das empresas precederem o fim das investigações, os recursos doados serão usados antes de se saber se há ou não culpados à frente dessas entidades.

Essa é só mais uma demonstração de que o lobby que ronda a pasta do Esporte tem sido mais influente do que a preocupação em zelar pelo interesse público. Uma conduta pouco admirável em tempos de crise econômica e perspectivas pessimistas de arrecadação.

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