Agora é a vez dos homens

Da FOLHA

Por VERA IACONELLI

  • O que vai diferenciar os homens agora é sua posição ativa na luta contra a omissão e o acobertamento de seus pares
  • Queremos saber onde estão aqueles que se dizem não machistas quando os outros exercitam suas microviolências

É senso comum a necessidade de denunciarmos a obscenidade dos discursos redpill e incel. Do cara que não sai com mulher que não “faz a unha” aos que defendem que a “traidora” merece morrer, o chorume é infindável e se baseia na mesma premissa: o mimimi de quem não aceita ser tratado como igual, pois se lambuzou na promessa de que ser homem bastaria.

O problema é que bater na tecla do misógino escancarado tem produzido uma sombra sobre outros comportamentos, mais difíceis de serem reconhecidos pelos próprios homens. Os caras ruins já conhecemos, vomitam suas pragas à direita e à esquerda. Mas a pauta hoje é “onde estão os homens bons”? Queremos saber onde estão aqueles que se dizem não machistas quando os outros exercitam suas microviolências. Não se trata só de fazer grandes discursos na internet diante de atrocidades óbvias, sabemos como essas manifestações são monetarizadas nas redes.

Quem não conhece um esquerdomacho que se vangloria de ser progressista, mas trata mulheres de forma abusiva? Liberal no público e assediador no privado. Por outro lado, encontramos pessoas menos letradas no feminismo incapazes de cometer um ato de violência. Estamos no âmbito da ética, na qual o sujeito decide, com sua própria consciência, que ato encampar.

Embora seja necessário vir a público se posicionar diante dos descalabros, é confrontando o melhor amigo, apartando uma violência, recusando a cumplicidade machista em ato que um homem pode marcar sua diferença do rebanho. É o pacto da masculinidade que está em questão aqui, e ele se dá o tempo todo em diferentes círculos: no zap, na mesa de bar, na rua, na família, na empresa, no voto. Homens que se supõem não machistas se ofendem com discursos feministas quando vestem a carapuça, não por saírem batendo em mulheres, mas pela omissão cotidiana que conhecem bem.

O que nós mulheres tínhamos que fazer, já fizemos. Assumimos a responsabilidade por nossas vidas dentro e fora de casa. Encampamos a luta pela independência financeira sem abandonar as crianças que os homens deixam para trás, acumulando funções quase sempre inconciliáveis. Bancamos o direito —em obrigação— de sermos femininas ao mesmo tempo em que exercemos funções consideradas exclusivamente masculinas. Apontamos obsessivamente e com clareza cada ponto no qual o machismo se ancora, oferecendo letramento de graça.

Agora é a vez dos homens.

Para cada anúncio de violência no noticiário, existem inúmeros casos de incentivo que lhes servem de esteio. Por trás do incentivo, existe uma rede de omissões encampada pela quase totalidade dos homens. A conivência, a omissão e o silêncio devem ser denunciados ao mesmo tempo em que se denunciam os crimes levados a cabo. O que vai diferenciar os homens agora é sua posição ativa na luta contra a omissão e o acobertamento de seus pares.

feminismo é um movimento social que, sem disparar uma bala, mudou a sociedade radicalmente. É de se esperar que encontre como resposta violência, retaliação e crítica. Encontra também o ressentimento dos homens que se consideram acima de qualquer suspeita. Em 2025, não há ninguém que se encaixe nessa categoria e dizer o contrário é impostura.

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