Antiglobalismo anticientífico

Da FOLHA

EDITORIAL

Com patriotismo datado de Trump, EUA saem da OMS, da qual são o maior doador; isolamento do país afeta população mundial

Em seu discurso na Assembleia Geral da ONU de 2018, Donald Trump, então no seu primeiro mandato, disse que os Estados Unidos vão sempre escolher a sua soberania em vez de um governo global.

Essa ideologia antiglobalista, em voga na direita populista, apoia-se num patriotismo anacrônico para condenar o comércio e as instituições internacionais. E foi com base nela que o presidente americano instituiu, na sua volta à Casa Branca, medidas que podem gerar efeitos nefastos para a população mundial.

Trump assinou ordens executivas que retiram os EUA do Acordo de Paris —tratado internacional sobre mudança climática, de 2015— e da Organização Mundial da Saúde. Nesses casos, verifica-se ainda o obscurantismo científico do atual chefe da nação mais poderosa do planeta.

As medidas são temerárias. No caso da OMS, os EUA são o maior doador do órgão que é referência em pesquisas médicas e projetos de promoção da saúde. Na pandemia de Covid-19, teve papel crucial em articulação de esforços e divulgação de informações.

Entre 2022 e 2023, os americanos destinaram US$ 1,3 bilhão à OMS. O segundo maior doador é a Alemanha (US$ 856 milhões), seguida pela Fundação Bill & Melinda Gates, do fundador da Microsoft, com US$ 830 milhões.

Cerca de 42% da verba oriunda dos EUA foi para países da África, que enfrentam altas taxas de contaminação do HIV e surtos de Mpox. Projetos para erradicação da poliomielite, que voltou a ser emergência global em 2014, receberam 14,8% do montante.

No ambiente doméstico, a medida de Trump visa agradar a sua sua base de apoiadores, adepta do comportamento antivacina e de teorias conspiratórias nacionalistas sobre ameaças de um suposto governo global.

Outro setor afetado é o da imigração. A Casa Branca cortou por 90 dias o repasse de recursos para entidades como a Organização Internacional para as Migrações, ligada à ONU. A OIM atua no suporte a refugiados, como os da Venezuela, em 14 estados do Brasil e já avisou o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que suspenderá atividades por três meses.

Naquela Assembleia Geral da ONU de 2018, Trump também disse que honra “o direito de cada nação de buscar seus próprios costumes, crenças e tradições”.

A questão é que políticas para a saúde, o ambiente e a proteção dos direitos humanos devem ser regidas não só por traços culturais e patriotismo, mas por evidências científicas e valores universais que têm contribuído para o avanço civilizatório global.

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