Da FOLHA
Por JUCA KFOURI
O tetracampeonato continental nem foi a conquista mais importante das alvinegras
As Brabas corintianas ganharam a Libertadores pela quarta vez, ano ímpar sim, ano par não, desde 2017.
A finalíssima teve de tudo o que se espera das decisões: pênalti desperdiçado no começo pela goleadora alvinegra Vic Albuquerque, o gol da taça 13 minutos depois, expulsão da zagueira campeã Tarciane na metade do segundo tempo para mudar o panorama e fazer da goleira Lelê a grande heroína, com pelo menos dois milagres para evitar o empate das persistentes palmeirenses, além de, nos derradeiros minutos, a defensora Alessandra ter evitado o 1 a 1 na linha fatal.
De quebra, teria havido um braço na bola dela dentro da área, que só não virou pênalti porque a atacante alviverde que faria o gol estava impedida.
Ou seja, em bom português e em resumo, a final foi de matar.
Ano sim, ano não, Corinthians campeão no jogo das mulheres, é fruto do trabalho silencioso da diretora Cris Gambaré, que deveria ser eleita presidenta do clube como candidata única.
O trabalho dela e o do treinador Arthur Elias, agora da CBF, mais a técnica refinada misturada com a garra das Brabas, renderam também, em 2023, o pentacampeonato brasileiro.
Convenhamos, é excepcional.
E nem é tudo. Nem a mais importante das conquistas delas.
Saiba a rara leitora, se é que não sabe, a conquista histórica das Brabas aconteceu quando se manifestaram de maneira firme, corajosa, cidadã, contra a infame contratação de Cuca para dirigir o time dos homens.
Passaram a ser ameaçadas por parte dos machões bolsonaristas da torcida, foram postas na geladeira por parte do elenco masculino, boicotadas com a diminuição da presença de público em seus jogos, tudo porque exigiram que o “respeito às minas” não virasse apenas palavra de ordem demagógica e cínica da tíbia direção do clube de Parque São Jorge.
Como verdadeiras Mosqueteiras, elas enfrentaram a reação reacionária e foram à luta, fizeram valer sua postura, tiveram papel fundamental na curta permanência do condenado que não cumpriu pena e se recusa a pedir desculpas pelo que fez na Suíça, e ganharam, ganharam tudo o que disputaram.
No caso da Libertadores, invictas, apenas um gol sofrido em seis jogos.
No do Campeonato Brasileiro, em 15 jogos, com 12 vitórias, um empate e apenas duas derrotas, uma delas, para o Internacional, no dia seguinte ao episódio do histórico manifesto, quando as Brabas estavam evidentemente traumatizadas com as hostilidades de que foram vítimas.
O solitário gol de Millene, em jogada de Gabi Portilho pela direita, o da taça, poderia ter sido insuficiente, tal a pressão alviverde depois de terem ficado com 11 contra dez, mas as deusas dos estádios estavam de plantão para fazer justiça às Brabas cidadãs.
Só elas, por sinal, deram alegrias à Fiel nesta temporada abaixo da crítica proporcionada pelos marmanjos, da sala de presidência aos gramados —e que culminará com a inaceitável eleição de um de dois candidatos para ocupar a direção do clube, escarrados representantes do submundo do futebol.
Neste mundo em que há dificuldade de as pessoas chamarem pelo nome tanto o terrorismo do Hamas quanto o do governo de Israel, a coragem do grupo de mulheres do Corinthians extrapola a mera conquista esportiva.
Que Cássio, o maior goleiro da história alvinegra, desculpe-se com Lelê, a maior goleira, pelo abraço dado em Cuca.