EDITORIAL DO ESTADÃO

Antes, será preciso destruir o domínio dos extremistas e fomentar condições dignas para que os palestinos escolham melhores líderes. Já Israel precisará neutralizar seus próprios radicais

A dura verdade é que a curto prazo não haverá trégua entre Israel e Hamas. Não é só que ela seja praticamente impossível, mas, do ponto de vista de Israel, não é desejável. O governo israelense precisa fazer um cálculo humanitário, para minimizar os danos a civis palestinos, e estratégico, para evitar a conflagração de conflitos regionais que podem envolver a Cisjordânia, o Líbano e mesmo o Irã, mas não tem alternativa para garantir a segurança de seu povo senão neutralizar o Hamas pela força. A consequência serão mais restrições além das já restritas liberdades e autonomia dos palestinos em Gaza.

A longo prazo, contudo, a paz é não só desejável, mas indispensável: Israel só estará seguro quando os palestinos tiverem um país em que possam se autogovernar e prosperar. Neste momento de confronto agudo, reavivar a discussão sobre os dois Estados pode parecer utópico, mais do que um sonho distante, uma ilusão fatal. As pesquisas mostram que o apoio a essa solução está em seu nível historicamente mais baixo entre israelenses e palestinos, e tende a diminuir num futuro próximo. Mas grandes crises trazem grandes oportunidades.

Enquanto militares lutam para garantir a segurança já, os diplomatas devem lutar para garantir uma paz longa e duradoura no futuro. Para criar suas condições no presente, é preciso aprender com os fracassos do passado.

A primeira proposta de criação de um Estado judeu e um árabe foi feita em 1937, dez anos antes da criação de Israel, pelas autoridades britânicas que controlavam a região. A partição foi novamente proposta na ONU, em 1947. Os judeus aceitaram nas duas vezes; a Liga Árabe não. Após a fundação de Israel, em 1948, o Egito ocupou Gaza e a Jordânia ocupou a Cisjordânia. Em 1967, lançaram, junto com a Síria, um ataque a Israel, que então ocupou os dois territórios. Diversas iniciativas de partição foram tentadas, especialmente os Acordos de Oslo, de 1993, que culminaram com a Cúpula de Camp David, em 2000. Eles criaram um governo palestino limitado e algum grau de reconhecimento mútuo, mas extremistas de ambos os lados destruíram possibilidades de concessões e nenhum acordo final foi atingido.

De sua parte, Israel conduziu o conflito como algo a ser gerenciado, mais do que solucionado. O premiê Benjamin Netanyahu, no poder pela maior parte do tempo nas últimas duas décadas, só com relutância se mostrou, em tese, favorável a um Estado palestino, mas, na prática, se esquivou da questão, confiando que as defesas israelenses e acordos diplomáticos com países árabes deixariam seu país seguro enquanto os palestinos se consumiam em lutas intestinas. Nos últimos anos, apoiado por radicais de direita, intensificou assentamentos ilegais em territórios ocupados.

Já os palestinos, há muito debilitados e divididos, parecem incapazes de tomar decisões. A Autoridade Palestina, que negociou os acordos de Oslo, apodreceu. Na Cisjordânia, o presidente Mahmoud Abbas e seu partido, o Fatah, postergam eleições desde 2007. Naquele mesmo ano, em Gaza, os extremistas do Hamas, que querem a aniquilação de Israel, tomaram o poder.

A violência indiscriminada contra Israel pelos palestinos e a opressão dos palestinos por Israel erodiram o principal componente para avançar quaisquer negociações: a confiança. A curto prazo, a solução de dois Estados é impraticável. Mas, a longo prazo, renunciar a ela só trará mais destruição e mortes de parte a parte.

A guerra é incontornável para eliminar o poder do Hamas em Gaza. Mas, se e quando isso acontecer, Israel só estará apto para reconstruir uma solução pacífica se neutralizar seus próprios extremistas. Esforços diplomáticos de cima para baixo só serão viáveis se houver um esforço de baixo para cima com foco nos direitos humanos e civis dos palestinos. Isso desmoralizaria os extremistas palestinos, que exigem de Israel direitos que negam ao seu próprio povo, e facilitaria a esse povo escolher líderes mais sensatos para negociar com Israel.

É um caminho longo, estreito e difícil. Mas é o único que vai na direção contrária ao abismo.

Facebook Comments
Advertisements