Da FOLHA

Por MARCELO LEITE

Farra bolsonarista com armas de fogo municia batalhão Azov da floresta

O mundo está de olho na Ucrânia, e com razão. Mas a ex-república soviética invadida a mando do ex-KGB Vladimir Putin fica muito distante, e aqui mesmo há um conflito em gestação no ovo de serpente deitado por militares brasileiros na Amazônia.

O alarme foi acionado por Claudio Angelo, jornalista que mais entende de clima e floresta amazônica, no artigo “Vai ter Guerra na Amazônia”. E o clima na floresta amazônica é mesmo de confronto.

Não de hoje, claro. Quem já passou por Novo Progresso (PA), na BR-163, como este colunista sete anos atrás, sabe que a atmosfera lá sempre foi irrespirável para agentes do Ibama, ambientalistas e repórteres, com a fumaça do desmatamento e o cheiro de chumbo no ar.

Angelo andou pela região no final de 2021. Assim descreve o ambiente: “[Na] cidade que come, bebe e respira crime ambiental, era difícil encontrar um estabelecimento comercial ou uma porteira de fazenda sem uma bandeira do Brasil na fachada”.

Na mesma época circulei por áreas de cerrado e de transição desse bioma com a Amazônia. Na entrada de cada latifúndio pendia um pavilhão nacional, a testemunhar que o prestígio de Jair Bolsonaro segue alto no ogronegócio.

Já se disse que o patriotismo é o último refúgio dos canalhas. Atualizando a máxima, seria o caso de dizer que no Brasil, hoje, é o derradeiro reduto dos canalhas armados.

Ninguém ignora que ruralistas figuram entre os interessados na esbórnia em que Bolsonaro transformou o acesso a armas e munições, assim como seu controle pelo Estado. Com a cumplicidade do Exército, que faz vista grossa diante da proliferação de arsenais particulares, alguns deles a abastecer o crime organizado.

Fazendeiros gostam de posar de vigilantes e caçadores, álibi para acumular armas de fogo. E se acostumaram ao vale-tudo fundiário e ambiental fomentado pelo presidente que enverga gravata com fuzis e seu comparsa Ricardo “Boiada” Salles.

Qualquer presidente que se escolha em 2022 (e não seja Bolsonaro) terá de retomar o estado de direito nessa metade do Brasil em que garimpeiros são tolerados quando invadem terras indígenas, enlameiam o mais lindo rio amazônico (Tapajós) e incendeiam helicópteros do governo federal.

Mais dia, menos dia, Brasília terá de reciclar medidas como as que derrubaram as taxas de desmatamento entre 2005 e 2012, nos governos Lula e Dilma, após explosão nos anos iniciais da primeira administração petista.

Listas de municípios campeões de devastação, restrição de crédito, embargo de propriedades, moratória de produtos oriundos de áreas desmatadas —o que for.

Caso contrário, o Estado perderá de vez o controle de metade de seu território, assim como cedeu o domínio dos morros e periferias para traficantes ou milícias. Saldo vergonhoso para a chusma de militares que tomou Brasília e passara décadas fantasiando a perda de soberania sobre a Amazônia para potências estrangeiras.

A soberania já era, e quem a açambarcou foi o inimigo interno. Não os comunistas que Bolsonaro e caterva apontam debaixo de camas de casal, carteiras escolares e escrivaninhas de postos de vacina, mas os extremistas impunes que ousaram sitiar o Supremo Tribunal Federal com suas carretas de grãos.

Pensando bem, são os inimigos internos só do país, não dos militares agachados diante de Bolsonaro. Destes seriam mais bem descritos como aliados —o batalhão Azov do cafundó, que não parece disposto a tolerar invasão de suas terras pela lei.

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