EDITORIAL DA FOLHA

Decisões judiciais contrariam os princípios que garantem o papel do jornalismo

Subvertendo direitos e princípios pelos quais deveria sempre zelar, o Judiciário brasileiro vem protagonizando ataques deploráveis ao livre exercício da imprensa.

O mais recente envolve o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) e seus obscuros negócios. Na semana passada, a juíza Cristina Serra Feijó, do Tribunal de Justiça do Rio, proibiu a TV Globo de exibir documentos das investigações sobre o caso das “rachadinhas” no gabinete do filho do presidente, quando este era deputado estadual.

Não apenas censura, portanto, mas também censura prévia, expediente que deveria restringir-se aos tempos dos regimes autoritários.

Antes, o próprio Jair Bolsonaro já havia dado mostras, de forma mais tosca, do incômodo provocado pelo assunto. Indagado acerca dos R$ 89 mil que Fabrício Queiroz, um dos supostos operadores da “rachadinha”, repassara à primeira-dama, o mandatário ameaçou agredir o autor da pergunta.

O comportamento não difere, no espírito, de outras atitudes de seu governo. No fim de semana, o humorista Marcelo Adnet foi alvo de ataques do secretário de Cultura, Mário Frias, e da Secretaria de Comunicação, por um esquete no qual parodia publicidade institucional.

Fica claro que, para o presidente e seus áulicos, a única liberdade de expressão válida seria aquela que reafirma suas próprias ideias.

O comichão autoritário contra a imprensa parece grassar na Justiça fluminense. Antes de censurar reportagens sobre o esquema das verbas de gabinete, o mesmo tribunal determinou que o portal GGN retirasse do ar 11 notícias envolvendo o banco BTG Pactual.

Mas mordaça semelhante atingiu também, no Rio Grande do Sul, a RBS TV, que teve reportagem sobre a concessão irregular do abono emergencial impedida de ser veiculada por decisão de um juiz.

É espantoso que, após mais de 30 anos de vigência de um regime constitucional democrático, magistrados ainda lidem mal com princípios tão claros e inegociáveis quanto as liberdades de expressão, pensamento e imprensa.

Constitui direito de qualquer um recorrer aos tribunais caso se sinta prejudicado. Não cabe à Justiça, porém, vedar a circulação de textos opinativos ou noticiosos, sobretudo quando versam sobre autoridades públicas.

A julgar pelas decisões recentes, muitos juízes parecem esquecidos de que a regra geral deve ser a liberdade, e não o contrário.

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