Da FOLHA

Por FERNANDO HADDAD

Bolsonaro nunca foi do baixo clero; sempre foi um pária

Sendo restritivo na interpretação do Art. 85 da Constituição, como convém a uma democracia, não há dúvida de que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade, pois atentou contra o livre exercício do Poder Legislativo e Judiciário. Sua participação em ato pela volta da ditadura em frente a um quartel do Exército não permite outra leitura.

O impeachment, entretanto, depende de requisitos jurídicos e de condições políticas. Estas últimas dependem exclusivamente da economia. O sistema responde a um único imperativo: a acumulação. Nada pode sabotar a expansão do capital, seja a mudança climática, seja a pandemia.

Quem deu fôlego a Bolsonaro foi a oposição. Ao pressionar o governo a conceder renda básica emergencial de R$ 600 em vez de R$ 200, a oposição agiu responsavelmente.

Entretanto, segundo recente pesquisa Vox Populi, nada menos do que 40% dos entrevistados não sabiam que a iniciativa não partira do governo. Isso provocou uma mudança na sua base de apoio. Segundo o DataFolha, Bolsonaro ganhou apoio entre os mais pobres e perdeu entre os menos pobres, mantendo o apoio médio na casa dos 33%.

Esse movimento coincide com outro, no Congresso Nacional. Enquanto FHC pede a renúncia de Bolsonaro antes “de ser renunciado”, o centrão ensaia abocanhar cargos estratégicos de segundo e terceiro escalão no governo. Quando esse agrupamento político fechou acordo com a candidatura Alckmin em 2018, Bolsonaro a ele se referiu como a “nata do que há de pior no Brasil”.

Bolsonaro nunca foi do baixo clero; sempre foi um pária. A menção que fez, na última coletiva, ao encontro casual com Moro em um aeroporto em 2017 –ocasião em que foi desprezado– é sintomático de quanto isso lhe é claro. Agora, Roberto Jefferson se dispõe a defender o mandato do capitão, a bala, com o apoio das milícias: um exército de achacadores e peculatários.

Os dilemas de Bolsonaro nunca foram de natureza ética, tema que ele desconhece. O dilema de Bolsonaro, agora real, é de natureza econômica. Numa crise de tamanho considerável, ele terá que tomar decisões difíceis, tarefa para a qual nunca se preparou. Veremos se sua esperteza e desfaçatez lhe apontam o caminho. O obscurantismo extremista com que distraiu incultos e ressentidos até aqui não encherá barrigas. O “kit gay da OMS”, lançado por Bolsonaro, será de pouca serventia. A dúvida que lhe aflige é sobre os efeitos da permanência de Guedes e sua cartilha econômica vintage.

Bolsonaro terá que decidir quem paga a conta. Entre o povo e a reeleição, de um lado, e o mandato e o mercado, de outro, a sinuca do impeachment.

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