Por ROBERTO VIEIRA
1987.
Estava em Salvador.
Cascavilhando a mim mesmo.
Cidade alta, velha pensão.
Um quartinho onde viveu o jovem Jorge Amado.
Paisagem diferente da mansão à beira mar onde morreu.
O homem que era nada.
O homem que tornou-se cravo e canela.
Lembro que me emocionei na paisagem do escritor ainda moço.
E fiquei olhando para aquele mar de todos os santos e comunistas.
A vida é o pelourinho da alma.
Dona Flor?
O remédio.
Durante minha estada em Salvador.
Futebol era assunto de conversa.
Popó!
Um senhor de cabelos brancos e cigarro nos lábios
me contou a seguinte história:
“Popó!”
Salvador de todos os santos e negros era branca.
Pelo menos nos times de futebol.
Ate chegar o Popó.
Popó de habilidade incomparável.
Jorge Amado gostava da bola.
De política.
Mas como futebol podia ser branco?
O Ypiranga se revolta.
“Trabalhadores de todo mundo, jogai bola!”
Salvador assiste horrorizada a plebe rude fazendo gol.
Jorge Amado se veste de amarelo.
Naquela mesma casa pobre.
Olhos postos no mar.
Popó marcando gols.
Jorge Amado não resiste.
Campo da Graça.
O jovem escritor grita gol de Popó.
Ao seu lado.
Uma menina e seu pai.
Pulam em delírio.
Jorge Amado se abraça aos dois.
O comunista e a santa.
Não resisti e perguntei:
“Santa?”
O velho senhor de cabelos brancos e cigarro nos lábios, sorri.
“Pois é… Irmã Dulce já era torcedora do Ypiranga!”
Escureceu.
Já não havia homem velho.
Já não havia cigarro.
Apenas o mar da infinita Salvador.
Voltei caminhando para a Pousada.
O farol me indicando o descaminho.
Eu e meus pensamentos.
O futebol era Dona Flor e seus dois maridos.
Terra de comunistas.
E santos.
Todos os santos…