Da FOLHA

Por JUCA KFOURI

O câncer da farra das apostas esportivas faz e fará muitos réus e muitas vítimas

Não é uma questão de moralismo, porque cada um faz de sua vida e de seu dinheiro o que bem entende desde que não prejudique ninguém com o exercício do livre-arbítrio.

Se a rara leitora e o raro leitor gostam de enriquecer as bancas e empobrecer os bolsos, problema de cada um.

Repita-se mais uma vez que a jogatina está aí, e será impossível proibi-la, porque extrapola nossas fronteiras.

Menos mau que o atual governo fez o que o anterior deixou de fazer e regulamentou com rigor o funcionamento das casas de apostas no país, que passarão a pagar impostos e ter a fiscalização possível.

O caso de Lucas Paquetá revela a que ponto a contaminação da jogatina é incontrolável.

O atleta, que ganha 48 milhões de reais por ano no West Ham, patrocinado pela Betway, está sob risco de ser banido do futebol porque denunciado como alguém que, combinado com outro brasileiro —Luiz Henrique, hoje no Botafogo, então no espanhol Real Betis, que disputa La Liga—, levou cartão amarelo em jogo da Premier League para beneficiar amigos e parentes em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

Duas ironias: os apostadores, cujas altas quantias chamaram a atenção dos órgãos fiscalizadores, fizeram suas fezinhas (fezonas, no caso) via Betway, e Luiz Henrique, inocentado pela liga espanhola, joga no clube de John Textor, o empresário que acusa manipulação de resultados no futebol brasileiro.

O Real Betis nada tem a ver com as bets, frise-se.

É óbvio que Paquetá não precisa ganhar dinheiro com apostas e é muito provável que tenha brincado com amigos no Brasil sem medir as consequências, apenas para mostrar poder.

Cartões amarelos, no meio de campo, sem botar em risco o resultado dos jogos, que mal há, não é mesmo?

Pois há, e Paquetá está sentindo na carne, com até o dia 3 de junho para apresentar sua defesa final.

Ele perdeu já muito dinheiro ao ver paralisada a negociação com o Manchester City, que o quer, e acabou desconvocado da seleção brasileira quando a acusação veio a público, embora esteja novamente chamado para a Copa América.

Se profissionais desse nível complicam a carreira com as bets, imagine o cidadão comum e o incomum, aquele chegado aos malfeitos.

O Brasil já viveu de perto situações parecidas quando legalizou, e depois voltou a proibir, os bingos, alvos de duas CPIs em 2004/05. A primeira terminou sob escândalo de deputados envolvidos com a jogatina —e com denúncias de propinas para colegas aliviá-los. A segunda aconteceu no Senado.

Então era possível resolver situações acontecidas no país dentro do Brasil.

Agora não é mais, e estão aí as bets, maiores patrocinadoras da maioria dos clubes e da CBF, com preponderante visibilidade na mídia, prontinhas para produzir enxurradas de crimes que envolverão até inocentes úteis e inúteis.

Mas a força da grana é tal que enfrenta tsunamis, mesmo que acabe derrotada, como veem os negacionistas do aquecimento global diante do derretimento das geleiras e das enchentes no Rio Grande do Sul.

Vale lembrar: dois dos três maiores escândalos no futebol brasileiro aconteceram por causa de apostas; o primeiro, as legais, manipuladas, da Loteria Esportiva, em 1982, e o segundo, fora da lei, as clandestinas, em 2005.

Tomara que Paquetá acabe inocentado na Inglaterra para que possa seguir adiante, embora nada indique que assim será.

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