Negar Jesus histórico é mais um caso de ‘criacionismo de ateu’

Da FOLHA
Por REINALDO JOSÉ LOPES
- Consenso acadêmico de historiadores sobre existência de Cristo é praticamente unânime
- Aceitar historicidade do Nazareno não equivale a acreditar de forma acrítica no texto da Bíblia
Existem algumas ideias fixas que às vezes eu chamo carinhosamente de “criacionismo de ateu”: crenças sem base factual que acabam soando muito sedutoras para pessoas supostamente sem dogmas. Uma delas, que já abordei anos atrás nesta coluna, é a de que não existiria natureza humana e tudo seria “construção social”. E há outra que sempre volta para me perseguir quando escrevo sobre história das religiões. Trata-se da tese de que Jesus de Nazaré nunca teria existido. Spoiler: essa é uma crença quase tão pseudocientífica quanto afirmar que as pirâmides foram feitas por ETs.
Explicar as evidências em favor da existência histórica de Cristo exigiria muito mais espaço do que disponho por aqui (e é algo que também já fiz detalhadamente outrora nesta Folha). Queria, porém, dar um passo atrás e pensar um pouquinho nos pressupostos.
Primeiro, a comparação com ideias do tipo “alienígenas do passado” se explica pelo fato de que é praticamente impossível encontrar historiadores e arqueólogos sérios que defendam a tese do “Cristo mítico”. O mesmo vale para publicações em periódicos acadêmicos com revisão por pares –o processo no qual a comunidade acadêmica avalia um novo estudo antes de ele ser divulgado.
O que é curioso nesse caso é o proverbial uso de dois pesos e duas medidas. Algumas das pessoas que não dão crédito ao negacionismo da crise climática –porque, afinal, sabem que as raras pessoas com credenciais científicas que negam o problema em geral não são climatologistas, nunca publicaram em nenhum periódico sério sobre o tema, têm motivações ideológico-financeiras para o negacionismo ou tudo isso junto– acabam dando crédito aos “miticistas”, que seguem o mesmo figurino.
Os consensos científicos modernos existem por um bom motivo. E eles quase sempre mudam quando há boas evidências em favor de alterá-los, o que não está sendo o caso aqui. E não há nenhuma explicação convincente para a suposta invenção de um Messias judeu se a ideia era converter justamente os não judeus para uma nova religião.
Há ainda outro problema de base nessa história. Trata-se da mania demasiado humana de se aferrar a qualquer argumento que seja útil para o seu lado, por mais frágil que seja. A questão, porém, é que falta enxergar o abismo óbvio que existe entre aceitar a existência da figura histórica de Jesus de Nazaré –um profeta da Galileia crucificado pelos romanos lá pelo ano 30 d.C.– e acreditar no Senhor divino anunciado por uma das muitas denominações cristãs por aí.
É claro que o consenso histórico sobre Jesus se refere à primeira figura, e não à segunda. Os debates entre historiadores sobre os detalhes mais ou menos prováveis da vida da primeira figura são ferozes e ainda indecisos (assim como os debates sobre Alexandre, ou Nero, ou qualquer outra figura da Antiguidade). Mas nenhum desses debates jamais será suficiente para “provar” que o Nazareno operava milagres ou ressuscitou dos mortos ao terceiro dia, como diz o Credo, simplesmente porque eventos desse tipo não são verificáveis por meio do método científico e só podem ser aceitos por meio da fé.
Fica aqui a dica, portanto, aos amigos ateus e agnósticos: os argumentos em favor da descrença já são bastante fortes. Não é preciso fazer birra contra o consenso histórico só por causa do que foi feito do legado de um pobre galileu. Feliz Natal a todos!
