Cidadãos foram roubados sob a guarda do INSS

Da FOLHA
EDITORIAL
Auditoria revela que ignoraram-se indícios de fraude em descontos aplicados em benefícios; governo deve providências
Uma quadrilha desvia parte do valor dos benefícios de aposentados e pensionistas para associações de classe e sindicatos, que em tese prestariam serviços a essas pessoas.
Parte dessa organização criminosa atua no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Facilita o tráfico de dinheiro para as entidades, que firmaram “acordos de cooperação técnica” com o órgão federal a fim de receber esses “descontos associativos”.
Os associados não sabem que o são nem deram autorização para o desconto. Pessoas com deficiência limitadora ou sem alfabetização, indígenas que moravam em aldeias ou moradores no exterior, milhares foram esbulhados.
É o roubo consignado.
A história vai além de um enorme caso de polícia. A leitura de uma recém-divulgada auditoria da Controladoria-Geral da União, entre outras investigações e evidências, mostra que o comando de várias gestões do INSS se comportou com negligência, na melhor hipótese, diante dos indícios gritantes de desvios.
Cinco servidores da cúpula do instituto foram afastados ou demitidos, incluindo o seu agora ex-presidente Alessandro Stefanutto. Ainda não está claro quem é acusado de tal ou qual crime, mas a CGU comprovou irresponsabilidade escandalosa.
Entre abril e julho de 2024, foram entrevistados 1.273 beneficiários do INSS, escolhidos aleatoriamente, dos quais 97,6% disseram não ter autorizado descontos; 95,9% diziam não fazer parte de associação.
Uma explosão do montante descontado não chamou a atenção. Em 2022, a média mensal era de R$ 58,8 milhões; na primeira metade de 2023, de R$ 81,8 milhões; em julho daquele ano, R$ 113,7 milhões; em maio de 2024, último dado considerado, foram mais de R$ 200 milhões.
Aumentaram ainda mais os pedidos de cancelamento dos descontos por parte da clientela do INSS. De cerca de 15 mil pedidos mensais nos 12 meses até junho de 2023, passou-se a quase 85 mil mensais nos 12 meses seguintes.
Em 2019, a Procuradoria da República no Paraná alertara o INSS do problema, pedindo providências, sem reação suficiente. Em julho de 2024, o instituto recebeu da CGU texto preliminar de sua auditoria —e, de mais incisivo, apontou que desde 2024 havia exigência mais rigorosa para autorização de desconto, por meio de biometria, sem prestar contas a respeito dos sinais de fraude.
Não há notícia de que a Previdência tenha procedido a uma intervenção saneadora, que apenas ocorreu depois da operação policial. É um escândalo de incompetência e desleixo.
O trabalho de CGU e Polícia Federal é apenas o começo de uma limpeza que deve continuar por responsabilização administrativa e política. O esquema decerto começou antes, mas é ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que cabe agora responder com providências e explicações pelo roubo em larga escala ocorrido sob a guarda de um órgão público.
