Olivério Junior, Leila Pereira e Lamacchia

“Muito embora a publicação da reportagem repercuta negativamente sobre a reputação dos autores, trata-se de mero exercício do direito fundamental de liberdade de expressão e liberdade de imprensa, não importando em significativo dano a imagem dos demandantes”

“Por outro lado, os requerentes não demonstraram a intenção difamatória por parte do réu, cujo blog e conhecido por denunciar irregularidades e corrupção no futebol”

“Ademais, consta dos autos que autores são os únicos diretores e acionistas da CREFIPAR, principal patrocinadora da Sociedade Esportiva Palmeiras, uma das principais agremiações poliesportivas do pais, dirigida, alias, pela autora Leila, desde novembro/2021”

“Assim, e inegável que a noticia de seu possível envolvimento com os crimes de lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e sonegação de impostos reveste-se de interesse publico”

(Trecho de Sentença que concedeu vitória judicial do Blog do Paulinho sobre Leila Pereira e José Roberto Lamacchia)


Em 14 de maio de 2021, o delegado de policia Luiz Carlos Silva Santos, da 3ª Delegacia- DICCA, instaurou inquérito para investigar o casal Leila Pereira – presidente do Palmeiras – e José Roberto Lamacchia, além da CREFIPAR, empresa ligada à Crefisa e a FAM, da qual são únicos proprietários.

A denúncia é do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

Os indícios apontam para lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e sonegações de impostos.

Em janeiro de 2022, o Blog do Paulinho revelou detalhes das investigação com farto material com probatório.

Inconformados, dias após, Leila e Lamacchia ingressaram com Ação Judicial e conseguiram, em 2ª instância, censurar a matéria, que, desde então, permaneceu fora do ar.

Agora não mais.

Defendido pelo Escritório Flora, Matheus & Mangabeira, com apoio da ONG inglesa Media Defense, o Blog do Paulinho venceu o processo.

Absolutamente necessária ao conhecimento da sociedade, principalmente aos torcedores do Palmeiras e consumidores da Crefisa, a postagem retornou à internet, podendo ser conferida no link a seguir:

Presidente do Palmeiras é investigada por lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e sonegação de impostos


Leila Pereira

A Sentença, impecável, da juíza Clarissa Rodrigues Alves (4ª Vara Cível de São Paulo), verdadeira aula de Direito e Liberdade de Expressão, reproduzimos logo abaixo (com grifos em negrito selecionados pelo blog):

Processo 1003298-08.2022.8.26.0100 – Tutela Cautelar Antecedente – Liminar – L.M.P. – – J.R.L. – – C.P.E. – P.C.A.P. – Vistos.

Trata-se de procedimento da tutela cautelar requerida em caráter antecedente por LEILA MEJDALANI PEREIRA, JOSE ROBERTO LAMACCHIA e CREFIPAR PARTICIPACOES E EMPREENDIMENTOS S/A em face de PAULO CEZAR DE ANDRADE PRADO.

Alegam que o réu divulgou matéria jornalística em seu blog, com o titulo “Presidente do Palmeiras e investigada por lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e sonegação de impostos”.

Afirmam que, por meio da matéria, o demandado profere afirmações caluniosas, além de divulgar trechos do Relatório de Inteligência Financeira do COAF, o qual e resguardado por sigilo, sendo publicada, ainda, informações sigilosas a respeito de operações bancarias e a renda dos autores.

Requerem, em tutela de urgência, a retirada de seu blog, ou de qualquer outra rede social, da matéria referida ou, subsidiariamente, a exclusão de trechos que contenham dados do Relatório de Inteligência Financeira do COAF e informações bancarias e de renda dos autores (fls. 1/14).

Decisão de fls. 76/78, que indeferiu a tramitação do processo sob segredo de justiça, bem como a tutela provisória, e mandou emendar a exordial, no prazo de cinco dias, nos termos do art. 303, § 6, CPC. As fls. 110/136, os autores aditaram a exordial em cumprimento a decisao de fls. 76/78, requerendo seja julgada procedente a demanda para: (i) condenar o réu na obrigação de fazer, consistente na exclusão do Blog do Paulinho a reportagem em tela, bem como todas as demais que, futuramente, guardem relação com o objeto da lide; (ii) condenar o réu ao pagamento de indenização por danos morais, em montante não inferior a R$ 10.000,00 (fls. 110/136).

Interposto agravo de instrumento contra a decisão que indeferiu a tutela de urgência, foi concedido efeito ativo para determinar a exclusão do blog da publicação impugnação, sob pena de multa (fls. 141/142).

Citado, o réu apresentou contestação as fls. 149/161.

Sustenta, em síntese, que devem prevalecer os direitos a liberdade de expressão e de imprensa; não praticou qualquer ato ilícito; a vida pessoal dos autores, bem como sua fortuna e vieses políticos são de interesse da sociedade; ao Poder Judiciário e vedado acolher pedido de censura previa.

Requer a improcedência da ação. Replica as fls. 167/172.

Instadas a especificarem provas, as partes pugnaram pelo julgamento antecipado da lide (fls. 177/181 e 195/200).

E O RELATORIO. FUNDAMENTO E DECIDO.

O processo comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 355, inciso I, do CPC, porquanto as provas existentes nos autos mostram-se suficientes para o deslinde da questão.

Muito embora a publicação da reportagem repercuta negativamente sobre a reputação dos autores, trata-se de mero exercício do direito fundamental de liberdade de expressão e liberdade de imprensa, não importando em significativo dano a imagem dos demandantes.

Por outro lado, os requerentes não demonstraram a intenção difamatória por parte do réu, cujo blog e conhecido por denunciar irregularidades e corrupção no futebol.

Ademais, consta dos autos que autores são os únicos diretores e acionistas da CREFIPAR, principal patrocinadora da Sociedade Esportiva Palmeiras, uma das principais agremiações poliesportivas do pais, dirigida, alias, pela autora Leila, desde novembro/2021.

Assim, e inegável que a noticia de seu possível envolvimento com os crimes de lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e sonegação de impostos reveste-se de interesse publico.

E verdade, e isso não se nega, que a reportagem opta por termos desabonadores a imagem dos autores.

Porem, trata-se de figuras publicas, estando, por isso, sujeitos a criticas mais duras, razão pela qual, no caso em testilha, a dureza da critica jornalista não pode ser considerada abusiva.

Nesse sentido, Darcy Arruda Miranda leciona que não e de se esquecer que ninguém esta mais sujeito a critica do que o homem publico, e muitas vezes dele se poderá dizer coisas desagradáveis, sem incidir em crime contra a honra, coisas que não poderão ser ditas do cidadão comum sem contumélia (Comentários a Lei de Imprensa, tomo II, 2ª Edicao, p. 487).

Por fim, importante ressaltar que, acerca do confronto entre o direito a imagem e a liberdade de imprensa, o Ministro Luis Felipe Salomão, no REsp n. 1.627.863/DF, definiu que As liberdades de informação, de expressão e de imprensa, por não serem absolutas, encontram limitações ao seu exercício, compatíveis com o regime democrático, tais como o compromisso ético com a informação verossímil; a preservação dos direitos da personalidade; e a vedação de veiculação de critica com fim único de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi).

A pedra de toque para aferir-se legitimidade na critica jornalística e o interesse publico, observada a razoabilidade dos meios e formas de divulgação da noticia.

No caso, tem-se que a matéria jornalística divulgou que a presidente de uma grande agremiação esportiva, com milhões de torcedores e interessados nos seus atos de gestão, é investigada por crimes que reverberam em suas atividades no clube, razão pela qual, sopesando-se direitos fundamentais no caso concreto, prevalece a liberdade de imprensa em detrimento ao direito a imagem e a honra.

Nesse sentido, segue a jurisprudência deste E. TJSP, que corroboraram com a presente sentença: Ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais. Publicação em rede social. Pessoa publica. Postagem cuja responsabilidade, no caso concreto, limita-se tão somente a quem a publicou. Demais réus que não concorreram, direta ou indiretamente, para a publicação. Hipótese fática em que não aplicável o instituto da culpa in vigilando. Publicação que, ademais, não excedeu o exercício da liberdade de expressão, a afastar a existência de dano e o consequente dever de indenizar. Sentença mantida. Recurso não provido. (Apelação Cível 1067006-71.2018.8.26.0100; Relator: JOSE EDUARDO MARCONDES MACHADO; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 20/10/2020). Recurso redistribuído a Trigésima Câmara Extraordinária de Direito Privado, com base na Resolução n.º 737/2016 e Portaria nº 02/2017. – Indenização por danos morais. Autor que se qualifica como prefeito. Réu em `Facebook` faz referencia a criticas sobre a administração publica. Ausência de ofensa a honra pessoal. Politico sujeito as criticas, e muitas vezes a procedimentos deselegantes. Susceptibilidade exacerbada do apelante e insuficiente para alteração da decisão. Estado democrático de direito possibilita manifestações variadas, desde que não afronte a dignidade da pessoa humana. Improcedência da ação deve prevalecer. Apelo desprovido“ (Apelação Civel 0000578-81.2014.8.26.0095; Relator: Natan Zelinschi de Arruda; Órgão Julgador: 30ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Data do Julgamento: 24/10/2017).

E nem se alegue que o réu se valeu de documentos sigilosos. Ainda que o sigilo decorra da necessidade de facilitar o desenrolar das investigações e resguardar a intimidade dos investigados, tal dever não compete a imprensa, que, tomando conhecimento, por terceiros, de fatos relevantes e de interesse publico, ainda que protegidos por sigilo, pode divulga-los, cumprindo seu papel de informar, desde que ponderados e sopesados os direitos fundamentais envolvidos.

Tanto e assim que o art. 10, V, da Lei nº 9.613, determina o dever de sigilo somente aqueles referidos no art. 9º do aludido diploma, entre as quais não se encontram os veículos de imprensa.

In verbis: Art. 10. As pessoas referidas no art. 9º: […] V – deverão atender as requisições formuladas pelo Coaf na periodicidade, forma e condições por ele estabelecidas, cabendo-lhe preservar, nos termos da lei, o sigilo das informações prestadas.

De mais a mais, embora a matéria jornalística faca referencia a ter tido o réu acesso ao Relatório de Inteligência do COAF, dos trechos divulgados não vislumbro informações sobre as quais o sigilo bancário tivesse sido amplamente divulgado, pois se trata de conclusões extraídas do referido relatório, necessárias a corroborar a informação prestada, e que inclusive consta da portaria que instaurou o inquérito policial, com o objetivo de apurar, em tese, a pratica do Crime de Lavagem ou Ocultação de Bens e Valores pelos autores.

Pelo mesmo raciocínio, tendo a imprensa acesso as movimentações bancarias dos demandantes, dado o interesse publico, não há qualquer impedimento na utilização desses dados, uma vez que, ao contrario do que ocorre com funcionários da instituição financeira, não lhe e imposto qualquer dever de mantê-las em segredo.

Desta forma, inexistindo ato ilícito praticado, a improcedência e medida de rigor.

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, com exame do mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil.

Em razão da sucumbência dos autores, ficam eles condenados ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, ora arbitrados em 15% do valor da causa, devidamente atualizado.

Comunique-se, com urgência, o Tribunal “ad quem”, nos autos do Agravo de Instrumento nº 2008567-20.2022.8.26.0000, acerca da sentença proferida. P.I.C. – ADV: DIOGO JOSE DA SILVA FLORA (OAB 186729/RJ), MARCELO FERREIRA DOS SANTOS (OAB 267213/SP)

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