Do ESTADÃO

Por UGO GIORGETTI

Há muito mais em comum entre técnicos de futebol e diretores de cinema do que se aparenta

Quando ouço essa palavra, penso tanto numa equipe de futebol quanto numa de cinema. O que elas teriam em comum, ou melhor, o que teria um diretor de cinema de tão próximo com um treinador de futebol? Afinal, não seriam equipes grupos de pessoas trabalhando em conjunto em escritórios ou fábricas? Sim, mas o que torna diferentes as equipes de futebol e cinema é a constituição psicológica de seus integrantes, o que vulgarmente, em falta de melhor palavra, chamamos de ego.

Essa é a diferença: pobres diretores de cinema e técnicos de futebol têm que se haver com personalidades especiais, enigmáticas, todos se atribuindo um valor extraordinário e particular. Não há participante de equipe de futebol ou cinema que não se ache depositário de qualidades únicas que o fazem diferentes de todos os outros seres humanos. E, na realidade, são isso mesmo, especiais, complexos, difíceis e fascinantes.

Fico imaginando um treinador no momento em que é apresentado a uma equipe e acho que sei como se sente. É o momento de conferir todas as informações que chegaram à equipe por meio de rumores e boatos.

Diante dele, uma quantidade de olhos inquisidores, implacáveis, à procura de gestos involuntários, atos falhos, contrações fisionômicas, tom de voz, tudo na esperança de desvendar quem é, no fundo, aquela pessoa que lhes vai indicar o caminho. Porque treinador de futebol e diretor de cinema são apenas isso, pessoas que indicam caminhos.

As impressões desses primeiros momentos são geralmente duradouras. Os jogadores, como os artistas, têm o instinto de animais de faro aguçado. Em menos de trinta segundos algo lhes é transmitido misteriosamente por sinais que só eles identificam e que lhes permite fazer um juízo praticamente definitivo. Aos momentos iniciais se segue o trabalho cotidiano que parece sempre bem na superfície.

Um pouco abaixo dela, porém, as coisas são outras. Sob exame diário é estudado o comportamento desse treinador ou diretor que vai contrariar uns, corrigir outros, dar destaque para um terceiro, não reconhecer as qualidades que pereciam incontestáveis, fazer escolhas o tempo todo, dar ordens a todos. Enquanto esse diretor ou treinador parecer seguro, mesmo que esteja fingindo, enquanto der a impressão que sabe para onde conduz a equipe, tudo segue bem. Mas há momentos, na vida de todo treinador ou diretor, em que ele se vê no meio de uma selva escura cuja correta via desaparece.

É quando a coisa começa tomar rumos que ele não previu e a escapar por caminhos estranhos e possivelmente perigosos. Os animais de fino faro percebem, e aí se desencadeia o espetáculo da luta do solitário e isolado diretor ou treinador para retomar o controle, e “repropor” o destino da equipe. Às vezes consegue, lutando sempre sob olhares agora já traindo algum desconforto. Outras vezes não, e isso é o mais comum.

Quando algo começa a sair inexplicavelmente do rumo, trazê-lo de volta é quase impossível. E o que era apenas inquietação se transforma em pânico crescente que todos fazem o possível para ocultar. A consequência desse pânico na equipe é cada um começar a lutar por si, cuidar de salvar sua parte, suja posição, sua vida. Não há mais equipe, e é compreensível. Há pessoas em perigo de ver sua reputação, seus esforços na profissão, os sacrifícios todos, irem por água abaixo.

Diretores e treinadores são derrubados assim. Pode haver manobras escusas e traição dos envolvidos, mas, pessoalmente, não acredito nisso. Não há quedas por conspirações nas sombras dos vestiários, planos sinistros e secretos, mas puro instinto de sobrevivência. Até artistas e craques orgulhosos querem saber para onde caminham. Quando quem é chamado para dirigir também não sabe, alguém precisa fazer alguma coisa para se salvar. Os artistas e os jogadores de futebol fazem.

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