A história da crise de 1954, que teria levado à deposição do Presidente Getúlio Vargas, pelas forças armadas, se ele não tivesse, pelo suicídio, renunciado ao cargo

Por EMÍLIO ERNESTO FIGUEIREDO*
História do 24 de Agosto de 1954
Um capítulo da História do Brasil
Antes do dia 22.
Dia 12 de agosto – REVELA-SE ser essa uma das decisões tomadas pelo alto Comando do Exército: “Verificada a responsabilidade de pessoas do governo ou da família do presidente, no atentado, promover a substituição legal do presidente da República, ou seja, convidar o Sr. Getúlio Vargas renunciar.” (Folha da Tarde, SP, 25/VII/’54).
No dia 22 de agosto.
NO DOMINGO, O PRESIDENTE consultou o Ministro da Guerra sobre a lealdade do Exército, e obteve resposta otimista: o general Zenóbio garantia-lhe o controle de noventa por cento de seus comandos. (Manchete, DF, 28/VIII/54).
*O Ministro da Guerra, de então, (hoje o cargo denomina-se Comandante do Exército) supunha que tinha o controle da tropa, a favor do governo. Como se verá mais adiante, não tinha!
Manifesto dos Brigadeiros.
NO CLUBE DA AERONÁUTICA, às 10:10 de ontem precisamente, começou a reunião dos Brigadeiros. Estavam presentes os brigadeiros Eduardo Gomes, Cunha Machado, Lovola Daher, Edgard Correia de Melo, Castelo Branco, Guedes Muniz, Ivan Carpenter, Raimundo Vasconcelos, Aboim, Américo Leal, Márcio de Souza Melo, Carlos Brasil, Dyott Fontenele, Carlos Rodrigues Coelho, Ari Lima, Armando Pinheiro de Andrade, Neto dos Reis, Henrique Fleuiss, Castro Lima, Antônio Barcelos.
A reunião foi convocada pelo brigadeiro Guedes Muniz, com o apoio do brigadeiro Eduardo Gomes, à revelia do próprio ministro, que, ouvido, se manifestou contra a mesma.
“ O país pode confiar em nós.” (Tribuna da Imprensa, DF, 23/VIII/’54).
*A história registrou, para sempre, o nome dos brigadeiros (oficiais generais da Aeronáutica) que, naqueles graves momentos, souberam expor-se e defender a Pátria. Naqueles tempos o País podia confiar…
O marechal Mascarenhas de Morais é incumbido de levar ao Sr. Getúlio Vargas, no Catete, a decisão dos brigadeiros, de que deve renunciar em nome da família brasileira e da segurança do Estado. (Diário de S. Paulo, SP, 31/VIII/’54).
NA REUNIÃO DOS BRIGADEIROS, realizada anteontem, no Clube da Aeronáutica, ficou decidido entregar-se ao Sr. Presidente da República o pedido para que renunciasse ao cargo. Foi portador dessa solicitação, encaminhada por intermédio do Marechal Mascarenhas de Morais, o Tenente-Brigadeiro Eduardo Gomes. (Jornal do Comércio, DF, 24/VIII/’54).
*Naquele tempo havia patriotas e corajosos.
EDUARDO GOMES LEVAVA UMA NOTA. A Aeronáutica decidira pedir ao Sr. Getúlio Vargas que renunciasse. (Manchete, DF, 28/VIII/’54).
A NOTA ENTREGUE ao Presidente da República estava assim redigida:
“OS OFICIAIS GENERAIS da Força Aérea Brasileira, abaixo assinados, reafirmando o seu propósito de permanecerem dentro da ordem, da disciplina e dos preceitos constitucionais, acham que a presente crise nacional só poderá ser satisfatoriamente solucionada com a renúncia do Presidente da República.”
Assinaram a nota os seguintes brigadeiros: Eduardo Gomes, Gervásio Duncan, Fábio de Sá Earp, Apel Neto, Guedes Muniz, Cunha Machado, Dias da Costa, Hersckett Hall, Godofredo Franco de Faria, Ivo Borges, Ivan Carpenter Ferreira, Carlos Brasil, Américo Leal, Armando Pinheiro de Andrade, Netto dos Reis, Dyott Fontenele, Raimundo Vasconcelos de Aboim, Archimedes Cordeiro, Loyola Daher, Ismar Brasil, Castro Lima, Henrique Fleuiss, Carlos Rodrigues Coelho, Casimiro Montenegro Filho, António Barcelos, Márcio de Souza, Ari Lima, Castelo Branco, Alvim Câmara e Edgar Correia Melo. (Correio da Manhã, DF, 24/VIII/’54). (Cf. Folha da Noite, SP, 24/VIII/’54; A Hora, SP, 24/VIII/’54; Diário da Noite, DF, 24/VIII/’54).
*Os oficiais generais da força Aérea Brasileira, correram riscos legais e disciplinares, mas louvaram o juramento para defesa da Pátria e tiveram a coragem de exigir a renúncia do Presidente da República corrupta.
CERCA DE 60 OFICIAIS da Aeronáutica, entre majores, capitães e tenentes, decidiram prestigiar a nota dos brigadeiros. A decisão foi tomada hoje pela manhã, depois de um encontro da Diretoria de Rotas Aéreas. (Tribuna da Imprensa, DF, 23/VIII/’54).
*Também os oficiais superiores e subalternos correram riscos, mas souberam cumprir o juramento de defender a Pátria.
Manifesto dos Almirantes
EM FONTE AUTORIZADA soube a nossa reportagem que também a Marinha de Guerra, na sua maioria, emprestou solidariamente irrestrita à atitude dos brigadeiros. A participação da Marinha, no caso, esteve revestida de aspectos dramáticos. Contava-se que, ontem, o almirantado depois de reunir-se em caráter não oficial, para precisar a situação político-militar do país e decidir o movimento dos brigadeiros, procurou o ministro Guilhobel, em seu gabinete, a fim de transmitir-lhe a histórica decisão. O ministro da Marinha, não resistindo a um apelo que lhe foi dirigido na ocasião, emocionou-se, chegou a chorar, depois do eu declarou aos seus pares que, “nesta contingência preferiria ficar com a Marinha”, isto é, pela renúncia do Presidente. (Diário da Noite, DF, 24/VIII/’54, Edição Extra).
ONTEM POR VOLTA DAS 22 HORAS, entretanto, soube-se que a quase totalidade dos almirantes, em reunião secreta, havia deliberado dar seu apoio integral à nota dos brigadeiros. (Última Hora, SP, 24/VIII/’54, Edição Extra).
CINQUENTA E UM ALMIRANTES levaram ontem ao ministro da Marinha a decisão unânime de apoio integral aos brigadeiros. A reunião foi secreta e assumiu aspectos dramáticos. O ministro da Marinha ouviu emocionado a palavra dos seus colegas de farda e acabou declarando que ficava com eles. Nestas condições, foi o almirante Renato Guilhobel incumbido de levar ao Sr. Getúlio Vargas a histórica decisão da Marinha. (O Estado de S.Paulo, SP, 24/VIII/’54).
INFORMA-SE QUE NADA MENOS de 51 almirantes compareceram ontem à tarde ao gabinete do Ministro da Marinha, almirante Renato Guilhobel, comunicando-lhe que os almirantes, pela sua totalidade, eram favoráveis à renúncia do Sr. Getúlio Vargas. (A Gazeta, 24/VIII/’54).
CONHECIDA FINALMENTE A ATITUDE DA MARINHA, cuja solidariedade à Aeronáutica pela primeira vez se tornara maciça e unânime através dos seus altos chefes, o ministro da Guerra reconsiderava a situação, iniciando nas primeiras horas da noite confabulações com os oficiais-generais sob o seu comendo. (Folha da Tarde, SP, 24/VIII/’54).
Manifesto dos Generais
O GENERAL ZENÓBIO DA COSTA declarou:
“NO DECORRER DO DIA 24 fui seguramente informado que corria sigilosamente, entre alguns generais, um manifesto.’’ (Folha da Noite, SP, 27/VIII/’54).
DIANTE DA RECUSA DO SR. GETÚLIO VARGAS em renunciar o governo, decisão de que deu notícia peremptória na noite de domingo último, Almirantes e Generais, a essa altura já articulados, resolveram identificar-se com o pronunciamento dos Brigadeiros. (Jornal do Comércio, DF, 25/VIII/’54).
OS GENERAIS ADEREM à nota dos brigadeiros, encabeçados por Canrobert e Juarez. (Diário de S. Paulo, SP, 31/VIII/’54).
NOSSA REPORTAGEM, depois de algum esforço, logrou apurar que os primeiros generais do Exército a assinar o “Manifesto dos Brigadeiros” foram os Srs. Canrobert Pereira da Costa e Juarez Távora, que, desse modo, abriram caminho pra a manifestação de solidariedade de seus colegas. (Diário da Noite, DF, 24/VIII/’54). (Cf. Diário da Noite, SP, 24/VIII/’54).
*Generais, Brigadeiros e Almirantes que souberam identificar-se com os anseios nacionais de combate à corrupção, e entraram para a História como corajosos defensores da Pátria, de sua honra, instituições e integridade.
CORRIA ONTEM A NOTÍCIA de estar sendo assinado um manifesto de Generais da guarnição desta Capital sobre a crise do momento, de concordância com a atitude dos Brigadeiros da Aeronáutica e dos Almirantes da Marinha de Guerra.
Teriam já assinado esse manifesto 35 Generais, entre os quais o Sr. General Fiuza de Castro, Chefe do Estado Maior do Exército, o qual, em virtude de sua decisão, havia solicitado exoneração desse cargo. (Jornal do Comércio, DF, 24/VIII/’54).
DIA 23; 15 horas. Começa a circular o Manifesto liderado pelos Generais Canrobert Pereira da Costa e Fiuza de Castro, que recebem o apoio de 30 outros companheiros. (Tribuna da Imprensa, DF, 30/VIII/’54).
POR VOLTA DAS 22 HORAS divulgou-se que cerca de 40 generais, sediados nesta Capital, haviam subscrito também um memorial de apoio à decisão dos brigadeiros tornando, assim patente, a completa divisão que reinava no seio das Forças Armadas em relação à crise. (Última Hora, SP, 24/VIII/’54, Edição Extra).
DOMINGO, OS GENERAIS estiveram reunidos na residência do general Fiuza de Castro, decidindo endereçar ao Presidente da República, e uma declaração de solidariedade aos brigadeiros.
O documento foi redigido no mesmo instante: é um apelo em termos altos ao Sr. Getúlio Vargas para que renuncie à Presidência da República, e uma de solidariedade à Aeronáutica.
Esta declaração importantíssima ontem conseguiu reunir cerca de quarenta assinaturas entre os sessentas generais que se encontravam no momento na Capital. (O Estado de S. Paulo, SP, 24/VIII/’54).
NA NOITE DA VIGÍLIA de 23 para 24 de Agosto corrente os rádios anunciaram que a maioria dos Generais do Exército assinara também um documento aderindo aos seus camaradas da Aeronáutica e da Marinha, sendo incumbido o General Ministro da Guerra de levar ao conhecimento do Presidente da República aquela decisão. (A Marcha, DF, 27/VIII/’54).
O General Zenóbio procurou o Presidente para dar-lhe ciência do ocorrido. Disse claramente que pensava ainda ter forças para reagir, salientando, porém, que haveria derramamento de sangue, e mais, que não tinha certeza da vitória. (O Cruzeiro, DF, 25/VIII/’54).
*O General Zenóbio, Ministro da Guerra, herói da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial, supunha que ainda tinha tropas para manter o governo, mas estas lhe fugiram, optando pela Pátria e não pelo governo.
Dia 23, segunda-feira:
Ao anoitecer, todos os generais estavam reunidos no Ministério da Guerra e, à uma hora de ontem, chegava à reunião o Sr. Brigadeiro Eduardo Gomes. E ficara decidido, então, obter a renúncia pura e simples do Sr. Getúlio Vargas.
PARTICIPARAM DA REUNIÃO, no Palácio da Guerra, o Marechal Mascarenhas de Morais, e os Generais Canrobert Pereira da Costa, Álvaro Fiuza de Castro, Francisco Gil de Castelo Branco, Ângelo Mendes de Morais, Odílio Denys, Olímpio Falconieri, Otávio Saldanha Meza, Trsitão de Alencar Araripe, Edgar Amaral, Juarez Távora, Alcides Gonçalves Etchegoyen, Ciro Cardoso, Otávio da Silva Paranhos, Floriano de Lima Brainer, Lamartine P. Leme, Danton Teixeira, Ignácio Veríssimo, José A. de Magalhães, Daudt Fabrício, Gastão da Cunha, Emílio Ribas, Nestor Souto de Oliveira, Segadas Viana, Nelson de Mello, José Machado Lopes, Nilo Sucupira, Jandir Galvão, Rómulo Colônia, Oswaldo de Araújo Mota, Nestor Penha Brasil, Castelo Branco, Nelson Rebelo de Queiroz, Peri Constant Bevilacqua, Oscar Rosa, Nilo Guerreiro Lima, Eduardo de Carvalho Chaves, Morais Âncora, Floriano Keller, João Baptista Rangel, Areia Pimentel, Coelho dos Reis, Correia Lima, Inimá Siqueira, Amaury Kruel, Augusto Magessi, Vítor Cruz, Célio A. Lima, Senna Dias, Mendes da Fonseca, Paulo Cruz, Altair de Queiroz, José Maurício Inade, Carvalho Tupper, José Vieira Peixoto, Achile Galleti, Artur Luiz de Alcântara, Waldemar Rocha, Leônidas Amaro, Manoel dos Santos, Benedito Rodrigues, João Villas Boas, e Almiro Pedro Vieira. (Jornal do Comércio, DF, 25/VIII/’54).
NA SEGUNDA-FEIRA A MOVIMENTAÇÃO dos meios militares prosseguiu. Os generais, em cujo meio já se tinha insinuado o desejo da renúncia, reuniram-se, no Palácio da Guerra, com o Ministro Zenóbio da Costa. Depois de uma reunião histórica, o titular da pasta da Guerra dirigiu-se ao Catete, para levar ao Sr. Getúlio Vargas a notícia de que, infelizmente, já não podia garantir-lhe, como na véspera, a solidariedade do comando do Exército. Trinta e cinco generais já da Marinha, no propósito de levar ao Presidente a sugestão de sua renúncia, para “restaurar a tranquilidade do país”. (Manchete, DF, 28/VIII/’54).
Comunicação a Getúlio
DIA 23; 24 HORAS. Sai o General Zenóbio para o Catete, a fim de levar ao `residente da República o resultado da reunião dos seus generais: impossível resistir à pressão em favor da renúncia. (Tribuna da Imprensa, DF, 30/VIII/’54).
OS SRS. MINISTRO DA GUERRA e o Marechal Mascarenhas de Morais, pouco passava das duas, partiam para o Palácio do Catete, a fim de comunicar ao Sr. Getúlio Vargas a decisão dos generais. Como já se previa, recusou a fórmula da renúncia, em termos dramáticos. Só admitiria a licença ou, então, a deposição. (Jornal do Comércio, DF, 25/VIII/’54).
CERCA DE 1 E 20 DE HOJE, o general Zenóbio da Costa, acompanhado do Marechal Mascarenhas de Morais, chegava ao Palácio do Catete, a fim de levar ao Sr. Getúlio Vargas…
…A PALAVRA DO EXÉRCITO, EXIGINDO o seu imediato afastamento e substituição pelo vice-presidente Café Filho. A questão foi colocada nos seguintes termos: renúncia ou deposição. À última hora de ontem, o general Zenóbio da Costa terminou por aceitar a argumentação dos generais presentes à reunião em seu gabinete que era pelo imediato afastamento do Sr. Vargas do poder. (O Estado de S. Paulo, SP, 24/VIII/’54).
A CRISE ORIGINADA no atentado da Rua Toneleros chegara virtualmente ao seu auge na manhã do domingo, dia 23, quando os brigadeiros, em nota unanimemente assinada, pediram a renúncia do Sr. Getúlio Vargas. O Chefe da Nação, porém, rejeitou o que até então seria uma sugestão. Confiava ainda, em que poderia superar a crise – confiança essa que manteve até ser procurado, na noite do dia 23, pelo General Zenóbio da Costa e pelo Marechal Mascarenhas de Morais, os quais o puseram a par de que todos os Almirantes em serviço do Rio haviam assinado, naquela tarde, um documento de solidariedade à Aeronáutica. E mais – que numerosos generais, entre os quais avultavam os nomes de Canrobert Pereira da Costa e Juarez Távora, tinham assinado o chamado “Manifesto dos Brigadeiros”.
O MINISTRO ZENÓBIO DA COSTA disse claramente ao Sr. Getúlio Vargas que ele já não mais contava com a unanimidade do Exército. – Muitos dos generais haviam assinado o “Manifesto dos Brigadeiros” ao qual já aderira a marinha. Tal ocorreu no início da reunião do Ministério. O presidente da República ouviu em silêncio as palavras do seu Ministro da Guerra – ouviu-o dizer que era exigido o seu afastamento, e que o Exército não o poderia manter no poder sem que eclodisse uma luta fraticida. A seguir, alguns dos presentes disseram rápidas palavras, corroborando as afirmações do General Zenóbio. O chefe do Governo, porém, nada disse. Via que nada mais lhe restava fazer, nem ao menos resistir aos que pediam a sua renúncia.
Movimento de tropas
NOS JARDINS DO CATETE, verdadeira praça de guerra desde as primeiras horas da noite, teve lugar mais uma distribuição de metralhadoras e cartuchos. Tropas do Exército, reforçadas, eram colocadas nos pontos estratégicos, enquanto os civis, recrutados inclusive entre o funcionalismo da presidência, também se armavam. Até mulheres o repórter viu, aprendendo às pressas o manejo das armas, por sinal moderníssimas.
Notava-se em todos os cantos um certo “frisson”, algo assim como uma angústia de espera, que se tornava mais cruciante quando dos céus escuros vinha o surdo rumor de um avião. (Diário da Noite, DF, 24/VIII/’54).
O MINISTRO DA GUERRA, depois de entender-se com o presidente da República, rumou para a Vila Militar. E foi disposto a descer com as suas tropas para anular qualquer movimento articulado no sentido de depor o Sr. Getúlio Vargas. Durante toda a noite, Exército, Marinha e Aeronáutica estiveram de prontidão. A Vila Militar pronta para sair. Com os seus tanques todos a postos. No Arsenal da Marinha e nos pátios do Ministério, foram assestadas metralhadoras. (Correio da Manhã, DF, 24/VIII/’54).
Disse o general Zenóbio:
“A verdade é que não temos o comando da tropa”. (O Estado de S. Paulo, SP, 25/VIII/’54).
*“Não tinha o comando” porque a tropa era da Pátria e não do governo. Para a tropa não interessava a defesa e a continuidade de um governo que levara o país a uma grave crise (muitíssimo menor que a de hoje – 2016), mas sim o presente e o futuro da Pátria!
Já dizia a Constituição Federal de 1.946 (artigo 177), assim como a atual (artigo 142), que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria”.
Não se destinam à defesa do governo – nem mesmo honesto, quanto mais, corrupto – e, menos ainda, de um partido político, que levou o país à desgraça.
O GENERAL ZENÓBIO DA COSTA declarou: “Estava disposto a defender os princípios constitucionais, custasse o que custasse. Entretanto, vários camaradas apelaram para os meus sentimentos cristãos e, melhor refletindo, achei que não deveria dividir os meus camaradas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, e, muito mais do que isso, não derramar sangue”. (Última Hora, SP, 25/VIII/’54, 2° Edição).
O BRIGADEIRO EPAMINONDAS Gomes dos Santos, declarou:
“O BRIGADEIRO EDUARDO GOMES me respondeu que o General Zenóbio não tinha a Vila Militar, como pensava, pois, os Generais Colônia, Jaime de Almeida e Nelson de Melo não marchariam para defender o Governo”. (O Cruzeiro, 25/IX/’54).
E hoje -2016, as tropas (pagas pela Nação) defenderiam – defenderão a Pátria brasileira ou o governo e o partido político corrupto?
Opinião pública
CERCA DE 250 ESTUDANTES da Universidade Católica assinaram a seguinte mensagem às Forças Armadas:
“Os abaixo assinados, alunos da Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, tem a honra de expressar publicamente mais uma vez às Forças Armadas brasileiras toda a solidariedade à resolução favorável à renúncia do Sr. Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, por se tornar chefe da corrupção nacional”.
A CONFEDERAÇÃO DAS FAMÍLIAS CRISTÃS, dirigiu o seguinte telegrama ao Sr. Getúlio Vargas:
“ A Confederação das Famílias Cristãs, legítima representante de milhares de famílias brasileiras confederadas, apela veementemente para a dignidade e a honra pessoais de V. Exa., a fim de que seja solucionada o quanto antes a grave crise nacional, para a salvação do Brasil e irrecusável reparação do ultraje sofrido pela família brasileira pelos escândalos, imoralidades e crimes praticados por pessoas irmanadas no governo de V. Exa., ainda que isso implique na imediata renúncia ao cargo de presidente da República”. (O Estado de S. Paulo, SP, 24/VIII/’54).
AS CLASSES PRODUTORAS DE SÃO PAULO, em reunião efetuada ontem, decidiram tornar público o seguinte comunicado:
“As classes produtoras de São Paulo, reunidas em Assembleia Permanente, vêm acompanhando com justificada preocupação o desenvolvimento da crise política em que se debate o país e cuja excepcional gravidade é desnecessário acentuar. Nesta hora tão grave para os destinos nacionais, as classes produtoras de São Paulo, representadas pelas entidades signatárias, manifestam sua confiança nas Forças Armadas Brasileiras, que assumiram atitude desassombrada nesta emergência, e estão seguras de que, unidas por um dever de patriotismo a que nunca fugiram, e identificadas com os princípios democráticos que nunca renegaram, saberão elas encontrar a solução ansiosamente desejada pelo povo brasileiro, que é a de ver reimplantado em nossa pátria o clima de tranquilidade e segurança, e restauradas as normas severas de moralidade na vida pública. São Paulo, 23 de agosto de 1.954.
Conforme publicação no “Diário da Noite, DF, 24/VIII/54, Edição Extra, as Entidades de Classe, pelos respectivos Presidentes.
Da 2° ZONA AÉREA (São Paulo) e da 5° Zona Aérea (Rio Grande do Sul), chegaram ontem telegramas, em que os comandantes locais manifestam a sua solidariedade aos brigadeiros que pediram a renúncia ao presidente Vargas.
A solidariedade das duas Bases está expressa nos seguintes despachos rádio-telegráficos:
“Referência telegrama n° 170, cientes, solidários companheiros, aguardando acontecimentos. A) Brigadeiro Reinaldo de Carvalho, comandante 2° Zona”.
“Referência rádio cifrado 170, rogo informar brigadeiro Eduardo Gomes e demais brigadeiros que lhes hipoteco minha solidariedade e dos oficiais quanto decisão respeito renúncia Presidente. A) Brigadeiro Rozany”. (Diário da Noite, DF, 24/VIII/’54).
Reunião ministerial
Vai este relato ao sabor da natural emoção de haver assistido, em grande parte, à histórica reunião do Sr. Getúlio Vargas com todo o seu Ministério, finda a qual o presidente da República, levantando-se, declarou em voz pausada e firme:
“Já que não decidem, eu vou decidir: recomendo aos chefes militares que mantenham a ordem e a disciplina. Caso essa ordem e essa disciplina sejam mantidas no mais fiel espírito de respeito à Constituição, estarei disposto a licenciar-me, até que se apurem definitivamente as responsabilidades. Mas se houver insurreição, advirto que encontrarão no Catete apenas o meu cadáver”.
ERAM PRECISAMENTE 3:30 da madrugada, quando o Sr. Getúlio Vargas fez a sua declaração. (Diário da Noite, DF, 24/VIII/’54, Edição Extra).
4 HORAS. A rádio Globo começa a transmitir as notícias da renúncia, intercaladas com marchas militares.
4:50 HORAS. O Catete expede a seguinte nota oficial: “O Presidente da República reuniu hoje o Ministério para o exame da situação político-militar criada no país. Ouvidos os ministros, cada um de per si, foram debatidos longamente os diversos aspectos da crise e as suas graves consequências. Deliberou o Presidente Getúlio Vargas, com integral solidariedade dos seus ministros, entrar em licença, passando o governo a seu substituto legal, desde que seja mantida a ordem, respeitando os poderes constituídos, e honrados os compromissos solenemente assumidos perante a Nação pelos oficiais generais das nossas Forças Armadas. Em caso contrário, persistiria inabalável no seu propósito de defender as suas prerrogativas constitucionais, com o sacrifício, se necessário, de sua própria vida”. (Tribuna da Imprensa, DF, 30/VIII/’54).
*Para não alongar muito a transcrição que este blog vem fazendo, registre-se que a hipótese de licenciamento do então Presidente Getúlio Vargas, por 90 dias, enquanto se apuraram os casos de corrupção do governo e o assassinato do Major Rubens Florentino Vaz, da Aeronáutica, por mandantes e serviçais do Palácio do Catete, não foi aceita.
Todavia, não podemos deixar de transcrever algumas patrióticas manifestações:
Exigência de renúncia
QUASE SEIS HORAS DA MANHÃ, o Sr. Lourival Fontes entrega à reportagem uma nota oficial, comunicando que o “presidente entrara em licença, passando o governo ao seu substituto legal, etc.
ENTREMENTES, REUNEM-SE OS GENERAIS para tomar conhecimento da decisão do presidente, estando presente o General Zenóbio da Costa. Decisão: aceitam a renúncia de Vargas, não em caráter temporário, mas em caráter definitivo. (Diário de S. Paulo, SP, 31/VIII/’54).
A notícia de que o Sr. Getúlio Vargas se recusou a renunciar é oriunda do Palácio do Catete. Nas conversações com os generais, admitiu a hipótese de se licenciarmas foi-lhe comunicado que a tropa recusa outra fármula que não seja a renúncia.
Informa-se que na reunião do Ministério o general Zenóbio foi o único a se manifestar contrariamente à renúncia do Sr. Getúlio Vargas. Apesar disso acatou a decisão da maioria. (Folha da Tarde, SP, 24/VIII/’54).
ATÉ ESTE INSTANTE, 7 HORAS DA MANHÃ, é de calma a situação na Vila Militar, nos regimentos sediados em Deodoro e nos Afonsos. Espera-se, entretanto, que as tropas, a qualquer momento,
…MARCHEM SOBRE O CATETE PARA DEPOR – e esta é agora a situação – o Sr. Getúlio Vargas, de vez que S. Exa. Insiste em não renunciar. Às 7:30 conseguimos uma ligação telefônica com o …
…MARECHAL EURICO GASPAR DUTRA. Repelindo a solução de licença do Sr. Getúlio Vargas, declarou o ex-Presidente:
“Ele deve sair imediatamente pela renúncia, porque não há mais dúvida, já está praticamente deposto”. (Folha da Noite, SO, 24/VIII/’54).
O brigadeiro Eduardo Gomes ao chegar ao Ministério da Guerra foi rodeado por vários generais, que vinham da reunião havida com o general Zenóbio da Costa e durante a qual o ministro da Guerra declarou, sem ser interpelado, que, sob palavra de honra, o Sr. Getúlio Vargas não mais voltaria ao poder.
O BRIGADEIRO EDUARDO GOMES nesta ocasião considerou absurda a notícia veiculada de que o Sr. Getúlio Vargas ia solicitar licença pelo prazo de 90 dias, declarando textualmente:
“Era só o que faltava. Nós, a esta altura dos acontecimentos, concederemos vacância ao Sr. Getúlio Vargas. A verdade é que ele não pode mais voltar”. (Diário da Noite, SP, 24/VIII/’54).
TRÊS FÓRMULAS para a solução da crise político-militar foram submetidas ao presidente da República: a) licença por três meses; b) RENÚNCIA tácita e simples, assumindo o governo o Sr. Café Filho; e c) DEPOSIÇÃO.
As duas últimas fórmulas foram apresentadas pelos generais, após a reunião realizada na noite de ontem, no gabinete do ministro da Guerra. (A Gazeta, SP, 24/VIII/’54).
*Transcrevemos mais um trecho interessante do noticiário, demonstrando a grande resistência do Presidente a renunciar, bem como de seus familiares:
No momento culminante da reunião ministerial, quando os ministros militares declararam não dispor de forças para garantir a continuidade do governo, estabeleceu-se um pesado e morno clima de desesperança. Nesse instante de silêncio e vacilações, irrompeu de súbito pelo salão a Sra. Alzira Vargas aos gritos: “Não renuncie papai! Não renuncie!” E acrescentou, entre soluços e lágrimas: “Não renuncie! Essa crise é epidérmica! É só aqui no Rio. No Brasil, toda gente está com você. Não renuncie!” Foi em seguida ao patético dessa cena que o Sr. Getúlio Vargas se ergueu e dirigiu-se aos seus aposentos particulares. Enquanto repousava, e, agora sabemos, cogitava de pôr um ponto final na grande e implacável crisa, os ministros discutiam os termos do documento de renúncia. (Diário de S. Paulo, SP, 25/VIII/’54).
CERCA DAS 7 HORAS, o general Caiado de Castro levou ao Sr. Getúlio Vargas a decisão dos generais, tomada momentos antes no Ministério da Guerra: aceitavam o licenciamento com a condição de o presidente não reassumir o governo. O Sr. Getúlio Vargas perguntou:
“ENTÃO ESTOU DEPOSTO?”
O general Caiado não teve como desmentir, e daí a instantes o Sr. Vargas suicida-se. (O Estado de S. Paulo, SP, 25/VIII/’54).
*Finalmente, na alvorada do dia 24 de agosto de 1.954, o país livrava-se do seu corajoso Presidente, que deu a vida para solucionar a crise que envolvia o País.”
O tiro de suicídio
O EX-PRESIDENTE GETÚLIO Vargas pós termo à vida exatamente às 8:35 horas de hoje. (A Noite, DF, 24/VIII/’54).
FORTEMENTE ABALADO pelos acontecimentos, após a reunião com os seus auxiliares diretos, à qual estiveram presentes familiares seus, o Sr. Getúlio Vargas retirou-se para os seus aposentos. Eis, porém, que, às 8:40 da manhã sozinho nos seus aposentos, o Sr. Getúlio Vargas acabava de pôr termo à vida, com um tiro de revólver no coração. (Manchete, DF, 28/VIII/’54).
*EMÍLIO ERNESTO FIGUEIREDO é Historiador Militar
