Relatório de CPI indicou ação criminosa do novo presidente da CBF na gestão da Federação Estadual do Espírito Santo

marcus vicente - cbf

Em junho de 2001, o relatório da CPI CBF/NIKE, assinado pelo Deputado Silvio Torres, escancarou o lamaçal em que se encontrava a gestão, não apenas da CBF, mas de Federações e clubes do futebol brasileiro.

Obscuro, à época, o atual presidente da CBF, Marcus Vicente, era presidente da Federação Estadual do Espirito Santo.

Mais do que desastrosa, sua gestão foi tratada como criminosa.

A CPI pediu o indiciamento do referido dirigente, detalhando, ainda, diversas práticas delitivas

CONFIRA ABAIXO TRECHO DO RELATÓRIO DA CPI QUE ESCANCARA A DESASTROSA GESTÃO DO NOVO PRESIDENTE DA CBF, MARCUS VICENTE, NA FEDERAÇÃO CAPIXABA

ESPÍRITO SANTO

O Presidente da Federação, Deputado Federal licenciado Marcus Antônio Vicente, deve responder pelo delito previsto nos incisos III e IV do art. 1º da Lei nº 8.137, de 27.12.90 de forma continuada (art. 71 do Código Penal), sendo coautora a contadora Tânia Maria Thomazini, à medida que esta, com a anuência expressa do primeiro, forjou, como se fossem originais, os Livros Diários relativos aos anos de 1995 a 2000, todos, contudo, elaborados em 2001.

As assinaturas ali constantes são retroativas e, mais ainda, os referidos livros foram autenticados pelo Oficial do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, Sr. Rodrigo Sarlo Antônio, de Vitória, que, por este motivo, sem prejuízo das penalidades administrativas – inclusive a perda da delegação, conforme preceitua a Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, a serem apuradas pela autoridade competente -, deve responder pelos mesmos delitos imputados aos demais acusados na medida da sua participação.

Mais ainda, em concurso material, o Sr. Marcus Antônio Vicente, deve responder pela pena prevista no inciso I do art. 1º da da Lei nº 8.137, de 27.12.90, na sua forma continuada, pelas flagrantes contradições existentes entre a contabilidade da Federação e a declaração de renda: a declaração, por exemplo, tem como ativo, em 1998, o montante de R$ 18.000,00 (dezoito mil reais), enquanto o valor constante no Livro Diário é de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). Já o descompasso no ano de 1999 chega à quantia de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais), conforme as considerações antes aduzidas neste parecer concernentes à Federação

ESPÍRITO SANTO 1. NATUREZA JURÍDICA / ESTATUTÁRIA DA FEDERAÇÃO

A Federação de Futebol do Espírito Santo possui personalidade jurídica de sociedade civil para fins esportivos, no ramo do futebol, conforme prevê o artigo 1º de seu Estatuto.

SITUAÇÃO ADMINISTRATIVA

A Federação Espírito-santense possui como presidente o senhor Marcus Antônio Vicente, que, até depor nesta CPI, era Deputado Federal; hoje, ocupa o cargo de Secretário no Governo do Espírito Santo. Assumiu a Federação em 94 e, segundo suas palavras no depoimento à Comissão (Notas Taquigráficas nº 000329/01), nunca recebeu nada a título de remuneração pelos serviços prestados à entidade.

Afirmou que assumiu a Federação em meio a uma crise do futebol no estado. Sem recursos e com o Vitória Futebol Clube, principal time da capital, fora da primeira divisão, o que levou à interiorização do futebol, teve que recorrer a diversos empréstimos para viabilizar os campeonatos programados.

PROBLEMA COM A CONTABILIDADE

Inicialmente, verificou-se que jamais existiu contabilidade na Federação de Futebol do Espírito Santo. Isso declarado pelo próprio presidente em seu depoimento. Afirmou que, quando do pedido desta CPI de todos os documentos contábeis da entidade, contratou os serviços de uma profissional para elaborá-los, e pediu adiamento do prazo por mais trinta dias.

Foram, então, remetido Livros Diários originais, produzidos, no ano de 2001, pela profissional contratada. Esse fato veio explicar porque os livros diários apresentavam, todos (de 1995 a 2000), o mesmo estado de conservação. Um outro fato decorre dessa afirmação: todos os livros foram assinados com data retroativa pelo presidente Marcus Antônio Vicente e pela contadora Tânia Maria Thomazini, ou seja, o livro de 1995 possui todos os seus termos e demonstrativos assinados com a data de 2/1/1995, porém confeccionado e efetivamente assinado em 2001; o de 1996, idem; e assim sucessivamente, até 2000. Os livros foram autenticados pelo Registro Civil das Pessoas Jurídicas, Oficial Rodrigo Sarlo Antônio, Praça Costa Pereira, 132 – 1º Andar, Vitória – ES.

EMPRÉSTIMOS COM PESSOAS FÍSICAS

Durante praticamente todo seu depoimento, senhor Marcus Antônio procurou destacar a precariedade financeira da Federação do Espírito Santo. Como conseqüência, constatou-se que a Federação recorre, freqüentemente, a agiotas, já que bancos pedem garantias reais, e a Federação possui apenas seis salas, que valem aproximadamente R$ 7.000,00, cada.

O pagamento feito a um desses agiotas, o senhor Gobbi, foi contabilizado como prestação de serviços; porém, senhor Marcus afirmou categoricamente que esse cidadão nunca prestou serviços para a Federação, uma vez que é exportador de café; tal pagamento foi a devolução de um empréstimo feito ao senhor Gobbi. Ocorreu, então, um erro na contabilidade contratada de última hora.

CONTRATAÇÃO DE PARENTES E O CONSELHO FISCAL

Afirmou, também, que tem irmã como Diretora Financeira, recebendo R$ 1.600,00 mensais, sendo a média de remuneração dos funcionários de R$ 270,00. O senhor Marcus justificou, dizendo que, além de ser função de confiança por mexer com dinheiro dos clubes, do INSS, muitas vezes, sua irmã trabalha mais de doze horas diárias.

Outra incongruência administrativa é a norma estatutária, capitulada no art. 29, que segue transcrito:

“Art. 29 O Conselho Fiscal será composto de (3) membros efetivos e (3) três suplentes, indicados pelo presidente da FES, com mandato de (4) quatro anos, podendo ser substituídos”

Pergunta-se: como se ter um controle interno eficaz, se é o próprio presidente quem nomeia as pessoas que vão fiscalizá-lo? Naturalmente, as chances de não existir controle algum é enorme. Essa total dependência do Conselho Fiscal ao presidente da FES, pode ter gerado a inexistência de contabilidade e o déficit crônico que tem levado à Federação a vários empréstimos. Inúmeras impropriedades administrativas podem surgir, fruto da inexistência de um organismo de controle independente que verifique os procedimentos adotados pelo dirigente.

É importante destacar que, apesar da administração sofrível que pôde-se verificar, seu presidente colocou à disposição desta CPI seus sigilos bancário e fiscal de dez anos atrás; informou, também, que não pretende se reeleger presidente da Federação.

SITUAÇÃO FISCAL/FINANCEIRA

Inicialmente, foi observado que a Federação Espírito-santense não entregou as Declarações de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, referentes aos exercícios de 1995, 1996 e 1997 e quando seu presidente foi questionado quanto à omissão, respondeu que a Federação não declarava Imposto de Rendas, por ser isenta; após alguns esclarecimentos e pelos argumentos apresentados pelo presidente, ficou a impressão de que ele nem sabia que havia sido entregue as declarações relativas aos anos de 1998 e 1999.

Confirmando as impropriedades no binômio contabilidade/declaração de renda, foi constatado que a Federação declarou em 1998, como ativo, o montante de R$ 18.000,00, enquanto que o valor constante do Livro Diário é de R$ 35.000,00; já em 1999, o valor declarado foi nulo, zero. Com relação ao faturamento, foi declarado um faturamento de R$500.000,00; recorrendo-se ao livro contábil, chegou-se a R$ 750.000,00. Também não houve explicação para o não recolhimento do COFINS.

O senhor. Marcus fez questão de afirmar que está em dia com as parcelas do REFIS, porém, deixou bem claro, que a dívida com o INSS, é bastante antiga, de mais de vinte anos.

A Federação recebe um montante do Governo do Estado, que se refere à prestação de serviços dentro do programa estadual “Dinheiro Vivo”. Há um contrato, que deveria ser fiscalizado pelo Tribunal de Contas do Estado, que estabelece as obrigações da Federação dentro desse programa. Segundo o presidente da Federação, foi graças a esses recursos que puderam realizar o campeonato do corrente ano. Como houve demora do estado no pagamento à Federação, tiveram que fazer empréstimos a empresas de Factoring, segundo o presidente, apreciados e aprovados pela diretoria.

Essa análise panorâmica da situação fiscal e financeira da Federação do Espírito Santo, mais uma vez deixa claro a necessidade de uma reestruturação administrativa, criando uma contabilidade eficiente, controle internos capazes de detectar incorreções, a fim de que erros crassos, como os relatados acima, não venham a se repetir.

RELAÇÃO COM A CBF

A Federação Espírito-santense recebe normalmente o auxílio mensal da CBF; alguns repasses maiores, em 98 e 99, teriam sido para ajudar os times do ES a disputarem o campeonato brasileiro, séries B e C; também para ajudar no campeonato do estado, em suas rodadas decisivas. Seu presidente prometeu entregar, na semana seguinte ao depoimento, todos os documentos comprobatórios dos gastos. Porém, quatorze dias após seu depoimento, nada relacionado às questões sem resposta havia dado entrada na Secretaria desta CPI.

Apenas para explicitar o bom relacionamento com a CBF, o presidente da Federação Espírito-santense foi vice-presidente daquela Confederação, entre os anos de 1995 a 2000; em maio de 1995, viajou com a Seleção Brasileira principal para Israel, como chefe de delegação, oportunidade em que recebeu a quantia de U$ 100,00 por dia, durante uma semana. Chefiou também a delegação da Seleção Sub-17, em viagem, no ano passado, para Inglaterra; recebeu U$ 150,00 por dia.

O gráfico abaixo demonstra as doações realizadas pela CBF, entre 1998 e 2000:

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Pode-se perceber, com facilidade, que houve um aumento sensível de doações entre agosto e dezembro de 1998, período eleitoral. Esta Comissão tem confirmado a existência de um esquema de doações eleitorais realizado pela CBF (ver Capítulo VIII). Algumas federações admitiram receber recursos para essa finalidade, com o apoio de Ricardo Teixeira, mesmo com os repasses realizados por meio das federações, e não diretamente aos candidatos.

Com isso, No caso da Federação capixaba, há indícios de que esse procedimento tenha sido utilizado, como será visto a seguir.

CONTRATOS COM TV

RELAÇÃO COM A POLÍTICA LOCAL

É necessário destacar que o senhor Marcus foi vereador, em seguida, prefeito por duas vezes, em sua cidade natal Ibiraçu-ES. Em janeiro de 1997, chegou à Câmara Federal, reelegendo-se em 1998. Em maio do corrente ano, após prestar depoimento a esta CPI, deixou o mandato de Deputado Federal, para assumir uma Secretaria no Governo do Estado do Espírito Santo.

Durante seu depoimento, afirmou, por diversas vezes, que nunca recebeu nenhum auxílio da CBF para sua vida política; poderia ter recebido, porque acha que é legal; se fosse o caso, teria prestado conta ao Tribunal Regional Eleitoral. Também foi categórico em afirmar que não recebeu nada da Federação Espírito-santense, nem doou nada a ninguém; segundo ele, “a Federação, sim, estaria precisando de doações”.

Sobre dois cheques, emitidos pela Federação, nominais ao presidente Marcus Vicente, no valor de R$ 10.000,00 e R$ 12.756,22, explicou que tinha sido o avalista de dois empréstimos: o primeiro a Luciano Gobbi, e o segundo a Antônio Cavaliere.

Os cheques teriam saído nominais ao presidente, por ele ser o avalista, e porque os credores teriam preferido receber os valores em dinheiro…. Soa estranho alguém querer receber uma quantia relativamente alta, em espécie…Porque, então, a Federação não pôde, ela própria, sacar o total e pagar os credores? Apesar das explicações, esta Comissão não se convenceu da necessidade desses cheques terem sido emitidos nominais ao seu presidente.

O senhor Marcus também se comprometeu a enviar à Comissão os comprovantes dessa operação, o que não ocorreu.

A Federação recebeu um auxílio da CBF, no valor de R$ 50 mil, no dia 11/9/1998. No mesmo dia, a Federação emitiu o cheque 011.736, do Banco Real, também de R$ 50 mil para um favorecido desconhecido, de acordo coma contabilidade entregue pela Federação. Pelo Livro Diário da entidade, consta “Pgto. Verba (CBF) CF. Ch. 011.736”.

O Banco Real informou a esta CPI que o favorecido do cheque 011.736, da conta corrente da Federação do Espírito Santo é o senhor Adauto Gonçalves Pinheiro. Perguntado sobre esse cheque, o senhor Marcus Vicente respondeu:

“O SR. DEPUTADO LÉO ALCÂNTARA – O senhor conhece, V.Exa. conhece o senhor Adalto Gonçalves Pinheiro?

O SR. DEPUTADO MARCUS VICENTE – Adalto Gonçalves Pinheiro é o empresário, salvo engano… Não. Adailton é Diretor da Federação.

O SR. DEPUTADO LÉO ALCÂNTARA – Adailton Gonçalves Pinheiro?

O SR. DEPUTADO MARCUS VICENTE – Adalto não!

O SR. DEPUTADO LÉO ALCÂNTARA – Isso!

O SR. DEPUTADO MARCUS VICENTE – Ele é diretor da federação.

O SR. DEPUTADO LÉO ALCÂNTARA – Eu faço essa pergunta por que um dos cheques V.Exa. recebeu, aliás, perdão, a Federação Capixaba recebeu 50 mil da CBF no dia 11 de setembro. E nesse mesmo dia, a Federação emitiu um cheque para o Sr. Adailton Gonçalves Pinheiro. A título de que teria sido esse cheque?

O SR. DEPUTADO MARCUS VICENTE – Com certeza foi para cobrir despesas de uma das equipes, que eu não me lembro qual, que eu vou mandar os comprovantes para V.Exa, semana que vem, disputantes do Campeonato Brasileiro da Série C ou também para pagamento de outras despesas relativas ao Campeonato Estadual daquele ano.

O SR. DEPUTADO LÉO ALCÂNTARA – Eu gostaria que V.Exa., se pudesse, mandasse ainda esta semana, porque o nosso prazo é exíguo para apresentar o relatório.

O SR. DEPUTADO MARCUS VICENTE – Não, vamos fazer todo o possível.”

Não foi recebido, por esta CPI, documento que justificasse a despesa de R$ 50 mil com qualquer clube. Apenas, foi mantida a informação do que já teria sido contabilizado pela Federação.

Com isso, surgem indícios de que os R$ 50 mil doados pela CBF não tenham sido, de fato, utilizados com finalidades estatutárias.

CONTRATO COM TELEVISÃO

Consta, na documentação enviada à CPI pela Federação do Espírito Santo, um contrato com a Gazeta do Espírito Santo Rádio e TV Ltda. Conforme o ofício de encaminhamento, teria sido o único contrato com emissoras de rádio e televisão, assinado pela Federação. Este contrato tem como objeto apenas o jogo da final do campeonato do ano passado, entre o Serra Futebol Clube e o Desportiva Capixaba. Chamou-nos atenção o valor irrisório do contrato: R$ 300,00 a ser rateado entre os finalista e a Federação.

A cláusula décima desse contrato traz o compromisso da Federação em negociar, prioritariamente, com a TV Gazeta as transmissões dos jogos dos campeonatos dos anos de 2001 a 2004. Conforme deixou claro o presidente da Federação em seu depoimento, esse possível contrato com a TV Gazeta é que dará uma sobrevida ao Futebol no Espírito Santo.

Mais uma vez, restou comprovada a dependência financeira do futebol aos interesses comerciais, dentre esses, e com maior força, o interesse televisivo.

RELAÇÃO COM OS CLUBES

RELAÇÃO COM EMPRESÁRIOS DE FUTEBOL

Não se obteve informações relativas a empresários de futebol.

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