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O silêncio conivente das mulheres de direita na pauta da violência

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Da FOLHA

Por MARILIZ PEREIRA JORGE

É desolador ver mulheres que ocupam cargos, microfones e púlpitos se calarem diante da epidemia de feminicídios no Brasil. Quatro mortes por dia, algumas beirando a barbárie, e a sensação incômoda é a de que a ala feminina da direita trai quem deveria defender e segue empenhada em preservar a “família tradicional”, mesmo que isso custe a vida de suas iguais.

Essas parlamentares sobem à tribuna para pedir aumento de pena e endurecer leis. Falam como se o problema fosse a falta de cadeia, não o modelo de submissão que elas mesmas pregam: esposa obediente, casamento indissolúvel, marido como a cabeça do lar. É essa hierarquia que autoriza o sujeito a se achar dono do corpo, da rotina, do celular e da vida da mulher.

No último domingo (7), por exemplo, mulheres de movimentos feministas e progressistas foram às ruas em várias cidades para protestar contra as mortes brutais noticiadas na semana anterior. Levavam cartazes com nomes de vítimas, pedidos urgentes por políticas de amparo.

Em São Paulo, a poucos quarteirões de onde estavam as mulheres, bolsonaristas ocupavam a avenida Paulista para defender um ex-presidente condenado e preso. A prioridade estava escancarada: gente com mais disposição para salvar o “mito” do que para proteger mulheres reais, de carne e osso. Como se a violência parasse na urna, como se o feminicida fizesse escolhas ideológicas antes de puxar o gatilho, tacar fogo, espancar.

Direita e esquerda —para ficar nessa dicotomia preguiçosa de pensar a política— enxergam o mundo de formas diferentes, e é natural que o debate democrático se faça também nesses conflitos. Divergir sobre modelo econômico, obras de infraestrutura, o tamanho do Estado faz parte do jogo. Outra coisa é tratar direitos das mulheres como se fossem apenas “mais um tema polêmico”.

Quando o conservadorismo se organiza para barrar a legalização do aborto, sabotar programas de creche, demonizar educação sexual nas escolas, naturalizar que a mulher siga sobrecarregada nas tarefas domésticas, resistir à equiparação salarial e à ampliação de licenças para quem cuida de filhos, não expressa apenas uma opinião. Apoia regras, leis e costumes que mantêm as mulheres mais dependentes, mais vulneráveis e com menos alternativas. Uma política que nega igualdade e autonomia não é neutra, é o combustível para a desigualdade que alimenta todo tipo de agressão, inclusive a que termina em morte.

Violência contra mulher não deveria ser pauta de esquerda. É linha de base civilizatória. Sobre um assunto que virou o retrato de uma tragédia social não existe “outro lado”. Não há versículo bíblico, valor de mercado, discurso pró-vida ou defesa da honra que justifique um tapa, um estrangulamento, um estupro, um tiro. Quando mulheres de direita relativizam agressões em nome da “família”, trocam de assunto ou culpam a vítima, estão dizendo aos agressores que podem continuar.

Falta a elas subir o tom quando o agressor é o “cidadão de bem” da igreja, o empresário amigo, o político aliado. Quase nunca se vê defesa de orçamento para delegacias especializadas, casas-abrigo, rede de proteção. Ainda menos se admite que um relacionamento em que um manda e o outro obedece é terreno fértil para feminicídio. E quem ocupa mandato, Câmara ou púlpito sabe disso.

Cobrar essas mulheres não é guerra ideológica. É responsabilizá-las pelo projeto de sociedade ao qual dão rosto e voz. Porque, diante de uma epidemia de feminicídios, quem escolhe ignorar o grito desesperado de mulheres, que pedem apoio para tratar uma doença social que é o machismo, não está em cima do muro. Está do lado da violência.

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