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Uma nova geração de apostadores compulsivos busca ajuda: como jovens enfrentam o vício?

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Do THE NEW YORK TIMES

Por ERIK VANCE

Especialistas discutem novas abordagens para lidar com a compulsão por apostas esportivas online

Crescendo no Meio-Oeste americano, Zach Everett via o jogo como pouco mais que uma diversão passageira. Ele jogava pôquer com os amigos e ia ao hipódromo com o pai. Os problemas começaram em 2019, logo após se mudar para Denver.

Naquele ano, o Colorado votou pela legalização das apostas esportivas. O salário do seu emprego não era suficiente para pagar o aluguel. Talvez, pensou ele, pudesse compensar a diferença apostando em esportes online.

Ele começou com esportes e times que conhecia bem — principalmente seu time de basquete favorito, o Minnesota Timberwolves — mas em 2021 já apostava em tudo o que podia, chegando a ganhar US$ 55 mil (mais de R$ 300 mil na cotação da época) em um torneio de golfe e perder tudo nos dois dias seguintes. “Eu nem sabia que isso era possível”, disse ele. Em vez de parar, fez mais apostas que não podia pagar e pegou empréstimos com amigos e familiares que, sem saber, sustentavam seu vício.

Everett não demorou a perceber que tinha um problema. Mas, ao visitar grupos de apoio, geralmente não encontrava ninguém como ele. Muitas vezes, os jogadores eram bem mais velhos e falavam sobre jogar blackjack e pôquer em Las Vegas. Como ele poderia explicar a tentação de ter uma casa de apostas esportivas no celular, bem ali no bolso de trás?

“Essas pessoas são jogadores de cassino que estão limpos há 10 anos”, disse Everett, de 31 anos. “Eles nem sabem o que é uma conta DraftKings.”

Desde 2018, quando a Suprema Corte derrubou uma lei que proibia apostas esportivas na maioria dos estados, o setor de apostas esportivas se transformou em uma indústria bilionária de alta tecnologia, mas os espaços de apoio e tratamento permaneceram praticamente os mesmos. Especialistas afirmam que poucas pessoas ligam para os números gratuitos de ajuda e que menos ainda procuram terapia ou concluem programas de recuperação.

Terapeutas, pesquisadores e jogadores em recuperação começaram a se perguntar se não seria hora de considerar abordagens diferentes para lidar com os problemas específicos do jogo online.

Representantes da indústria de jogos de azar afirmam estar comprometidos em ajudar jogadores problemáticos. As empresas investem milhões de dólares na promoção do jogo responsável, e a maior parte dos fundos estaduais destinados à recuperação de dependentes químicos provém de impostos sobre jogos de azar.

“Criar jogadores problemáticos não é uma oportunidade sustentável e duradoura para este setor”, disse Joe Maloney, porta-voz da American Gaming Association.

Mas especialistas afirmam que os jogadores problemáticos estão se tornando cada vez mais jovens. O grupo Jogadores Anônimos (JA ou “Gamblers Anonymous”, GA, em inglês) tem observado um aumento no número de jovens, segundo um porta-voz da organização. Na Pensilvânia, onde a receita com jogos de azar esteve entre as mais altas do país no ano passado, dois terços das pessoas que pedem ao estado para serem proibidas de jogar têm menos de 44 anos.

Muitos jovens, em particular, ainda têm dificuldade em encontrar pessoas que compreendam os desafios específicos que os aplicativos de apostas esportivas apresentam, disse Cait Huble, porta-voz do Conselho Nacional sobre Problemas com Jogos de Azar.

“Eles entram nessas salas do JA pensando ‘Não me vejo representado aqui’”, disse ela, referindo-se aos Jogadores Anônimos.

Sam Demello, um ex-jogador compulsivo de 38 anos, descreveu linhas de ajuda como a 1-800-GAMBLER como “a solução mais analógica para um problema digital”. Ele acredita que o mesmo costuma ser verdade para os Jogadores Anônimos. Se minhas duas opções são ficar sentado neste porão empoeirado de igreja com um bando de velhos por uma hora todos os dias pelo resto da minha vida, ou ser um viciado e continuar escondendo isso de todos os meus amigos e familiares, eu serei um viciado”, disse ele.

Algumas pessoas estão experimentando novas abordagens. No ano passado, Demello lançou uma plataforma de suporte digital chamada Evive para oferecer opções de tratamento e conexão entre pessoas. Outra empresa, a Birches Health, concentra-se especificamente em jovens e jogos de azar online.

“Há dez anos, a Birches Health provavelmente não existiria”, disse Elliott Rapaport, fundador da empresa.

No Colorado, Everett tentou todos os tipos de métodos para se manter sóbrio. Ele frequentou programas de internação, programas ambulatoriais e todos os grupos de apoio que conseguiu encontrar. Mas sempre acabava voltando para os aplicativos de jogos de azar.

E assim ele teve uma recaída. Depois teve outra recaída, sem conseguir encontrar uma solução definitiva.


Uma nova geração de jogadores

O jogo é o único vício comportamental reconhecido pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais que não é uma dependência química. Mas defini-lo é difícil.

Uma indicação comum de problema é a dificuldade financeira, dizem os especialistas. Alguns terapeutas afirmam que o comportamento é uma medida ainda melhor. Mentir para entes queridos é um sinal clássico, disse Mike Sciandra, diretor executivo do Conselho de Nebraska sobre Problemas com Jogos de Azar, que está se recuperando de seu próprio vício em jogos.

Ele acrescentou que o mais revelador é quando os jogadores começam a ultrapassar seus limites financeiros (contraindo dívidas, sacando o dinheiro da faculdade) ou limites de tempo (jogando durante o jantar ou às 3 da manhã).

Os aplicativos facilitaram para Everett apostar sempre que sentia vontade. Ele ficava acordado até tarde apostando em esportes sobre os quais sabia pouco, como tênis de mesa russo e eSports. Sua esposa não fazia ideia.

Durante muitos dias, “eu dormia duas ou três horas por noite, no máximo, durante um ano”, disse ele.

Apostar tornou-se mais conveniente, mas a sua aparência também mudou. Os aplicativos oferecem as chamadas apostas especiais, que são oportunidades para apostar em uma jogada individual ou em uma estatística de um jogador. Especialistas dizem que, ao adotar a aparência e o estilo dos videogames, os aplicativos também são particularmente atraentes para homens mais jovens.

“É como comparar alhos com bugalhos, no que diz respeito à aparência do jogo hoje em comparação com a aparência de 10 anos atrás”, disse Sciandra.

Quando Everett parou de apostar por seis meses em 2023, um aplicativo lhe ofereceu crédito semanal, chamado de “jogo grátis para fantasy”. Se ele ganhasse, o crédito se transformava em dinheiro. Se perdesse, não devia nada. Um dia, ele decidiu apostar US$ 5 em um time de basquete de fantasy que havia criado.

“Mas aí eu fiz isso no dia seguinte, e virou ‘Vou fazer só cinco dólares à noite’”, disse ele. “E depois virou ‘Bom, vou fazer 20’. É uma progressão lenta para uma progressão rápida, muito rapidamente.”


A busca por ajuda

Em 2024, Everett tinha 29 anos, não tinha carro nem emprego. Sua mulher o havia expulsado de casa e ele frequentava três ou quatro reuniões dos Jogadores Anônimos por semana, geralmente virtuais. Mas nada parecia fazer sentido.

Então, no final do ano passado, alguém sugeriu que ele experimentasse uma nova reunião semanal, afiliada ao JA, nos arredores de Denver. Fundado por um ex-lutador de artes marciais mistas, o grupo recebeu o apelido de Jogadores Anônimos para Jovens. Era um grupo diferente em um aspecto fundamental: atendia principalmente pessoas cujos problemas decorriam de aplicativos de apostas esportivas online.

Superficialmente, usava os mesmos 12 passos, os mesmos livros. Até mesmo acontecia em uma igreja. Mas para Everett, a sensação era diferente. Não era apenas que os outros entendessem a linguagem (embora entendessem). Ou que também tivessem chegado ao fundo do poço (embora tivessem). Era que eles se vestiam e falavam como ele. Riam mais. A maioria deles havia começado a jogar depois de 2018 e saído do vício apenas no ano anterior.

Jamie Glick, presidente da Problem Gambling Coalition of Colorado, uma organização sem fins lucrativos que conecta jogadores compulsivos a tratamento, afirma que reconhecer a si mesmo nas pessoas ao seu redor é um elemento crucial para uma recuperação eficaz, e um elemento que muitas vezes está ausente da terapia e dos grupos de apoio.

“Esse vício acontece no isolamento”, disse Glick. “É quando as pessoas encontram uma comunidade que as coisas mudam.”

Nas reuniões, Everett disse que estava sendo mais honesto do que antes. Contou-lhes como roubou do pai e da namorada. Como certa vez disse a uma tia que estava juntando dinheiro para um presente de aniversário e depois o gastou em jogos de azar. Como apavorou a sua mulher.

Hoje em dia, dezenas de pessoas comparecem a cada reunião. Mas o apoio vai além disso. Everett joga basquete nos fins de semana com Ben A. e Matt F., dois outros membros do grupo que pediram para serem identificados apenas pelo primeiro nome por receio de prejudicar sua reputação. Outros jogam pickleball ou golfe. E trocam muitas mensagens de texto.

“O aluguel subiu 900 por mês — estou tendo crises de pânico novamente”, escreveu Everett um dia em setembro, acrescentando: “Mas estou me mantendo sóbrio”.

“Mantenha-se firme”, respondeu Matt. “Você está na melhor fase da sua vida. Vamos continuar assim. Eu te ligo mais tarde.”

Everett está sóbrio há 18 meses, segundo ele, e ainda não confia em si mesmo com um cartão de crédito. A maioria dos jogadores em recuperação tem recaídas. Mas desta vez, ele está mais confiante de que conseguirá se manter sóbrio.

No início do verão, Everett se encontrou com Ben e Matt em um campo de golfe. Eles riram, bateram bolas, brincaram uns com os outros e tomaram algumas cervejas. Depois de um tempo, Matt pegou o celular para assistir às finais da Conferência Oeste da NBA. O Oklahoma City Thunder estava massacrando o Minnesota Timberwolves, o time favorito de Everett.

“Isso é muito ruim!”, lamentou Everett.

“Vinte e dois pontos”, concordou Matt, olhando para o placar.

Everett suspirou. “Antigamente”, disse ele, “eu teria apostado muito dinheiro nesse jogo.”

Então, os dois perderam o interesse, desligaram a TV e foram embora. Não havia spread para cobrir, nem dinheiro para ganhar no último minuto do quarto período. Eles eram apenas dois amigos, passando um tempo juntos, assistindo a um jogo.

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