Da FOLHA

Por REINALDO AZEVEDO

Os uniformes querem se impor às togas, e as Armas, à Constituição; isso tem de parar

O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, falou nesta quinta (14) sobre o sistema de votação na Comissão de Fiscalização do Senado. Levou a tiracolo o coronel Marcelo Nogueira de Souza, que disse haver a possibilidade de que um “código malicioso” seja inserido na urna dentro do TSE.

Ele está se referindo ao “código fonte”, que pode ser inspecionado por todas as entidades fiscalizadoras desde outubro do ano passado.

Ninguém mais vê esse risco. Só os que não se conformam com a vontade dos eleitores até agora expressa em pesquisas. Comissão especializada do TCU, por exemplo, atesta a higidez e inviolabilidade do modelo.

Os fardados estão como o garotinho de “O Sexto Sentido”. Só que veem golpistas mortos. E pretendem ressuscitá-los.

Já fui brasileiro como alguns de vocês, para citar um poeta, e acreditei que um golpe de estado era hipótese fantasiosa. De tal sorte me parecia insano que militares decidissem ameaçar o seu próprio povo com as armas que lhes foram dadas para protegê-lo que me negava até a especular a respeito. Mudei de ideia.

Como se vê, os tanques da estupidez retórica e das ameaças já estão em movimento. É o estágio anterior à intervenção. Se acontecesse, não duraria. Mas a que custo?

Endosso a opinião de Marcelo Coelho em artigo escrito neste jornal na terça (12). Sem que ainda o tivesse lido, fiz, naquele mesmo dia, igual defesa no programa “O É da Coisa”, que ancoro na BandNdews FM: é preciso ir às ruas para defender a democracia. Ou a irracionalidade truculenta vai se impor sobre a ordem democrática.

A conversa do general e de seu assistente mal disfarça o bullying golpista contra o TSE e a ciência. Eis o Eduardo Pazuello das urnas. É como se dissesse de forma nem tão silenciosa: “Temos o canhão; vocês, só a Constituição”. Passados 58 anos desde o golpe de 1964, inverte-se o diagnóstico de Castello Branco. Desta feita, os granadeiros alvoraçados decidiram sair dos bivaques à procura de vivandeiras.

Arthur Lira (PP-AL), o dono da Câmara, já deu os golpes que estavam a seu alcance com a PEC do ICMS e a “das bondades”. Não faço adivinhações. Posso estar errado, mas tenho a impressão de que os benefícios não mudarão a vida dos pobres a ponto de gerar migração em massa de eleitores.

Parece-me que começa a se espalhar a percepção de que o presidente só se mexeu por medo de Lula. Mais: os benefícios cessam em dezembro, o que lhes empresta marca eleitoreira inequívoca. Isso, no entanto, não é previsão nem antevisão.

Penso que a oposição deu o voto possível no caso das duas emendas, ou se tornaria presa fácil de Bolsonaro.

No que lhe cabe, também o STF não deve obstar os benefícios. Mas cabe ao tribunal declarar a escandalosa inconstitucionalidade do estado de emergência, medida que busca apenas blindar o presidente do alcance da Lei Eleitoral, numa evidência arreganhada de desvio de finalidade. Essa eventual decisão não impediria a chegada dos recursos aos pobres. E agora voltemos ao ponto de partida.

E se as pesquisas insistirem em apontar a vitória de Lula? E se o espetáculo de truculência legiferante e inconstitucional de Lira não surtir o efeito desejado?

A anunciada intenção do Ministério da Defesa de fazer uma devassa imotivada nas eleições de 2014 e 2018 e de tutelar o TSE no pleito deste ano evidencia que os uniformes querem se impor às togas, e as Armas, à Constituição.

Não se trata mais de interpretar sinais, mas de dar às palavras e às coisas o peso que têm. É preciso ir às ruas em defesa da democracia.

Veículos de comunicação e suas respectivas associações de classe, como ANJ e Abert, já deveriam ter feito soar o alarme. Em uníssono. Assim como as entidades que representam as empresas do setor produtivo, as de serviço e as do mercado financeiro.

Não basta que sindicatos de trabalhadores, coletivos, ONGs e partidos de oposição repudiem a intervenção golpista. Precisamos saber se o capital, no Brasil, considera a democracia um valor universal e inegociável ou se está disposto a piscar para o caos. Os tanques da estupidez retórica e das ameaças já estão em movimento. É o estágio anterior à intervenção.

Vai ser o quê?

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