Da FOLHA

Por LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO

Presidente da República é benquisto por corruptos e delinquentes

Na ficha militar de Jair Bolsonaro, informação que o jornalista Luiz Maklouf Carvalho publica em “O Cadete e o Capitão” (Todavia, 2019), há um registro essencial para a compreensão da personalidade política do presidente da República.

Bolsonaro já tinha uma década de Exército, não era garoto (1983). A anotação é de oficial superior. Menciona “mostras de imaturidade ao ser atraído por empreendimento de garimpo de ouro” e aponta: “Deu demonstrações de excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente”.

A simpatia pelo garimpo ajuda a esclarecer o enfraquecimento dos órgãos de controle ambiental em seu governo. O documento revela também um apetite impróprio para o que se imagina de um bom soldado.

O capitão deputado, que começa a carreira depois da experiência terrorista e de ser enxotado dos quartéis, aposta no radicalismo verbal e em se manter distante do baixo clero parlamentar, sempre atingido por algum escândalo administrativo.

Bolsonaro prefere caminho mais seguro. Os seus interlocutores são parentes ou agregados. As relações são de lealdade familiar. Todos enriquecem. Longe dos governos, as suspeitas se esvaem. É mais fácil fingir honestidade.

Remunerar parentes no âmbito do Poder Legislativo e eventualmente se apropriar de parte de seus vencimentos —as rachadinhas— é fio condutor de um tipo de enriquecimento ilícito mais sóbrio, palatável.

A prisão do ex-ministro Milton Ribeiro, ao contrário do que ventilam seus aliados, mostra que o presidente controla sim a Polícia Federal. Sempre há a possibilidade de um ou outro delegado atuar com independência, mas a instituição está dominada e os “rebeldes” serão fulminados.

Desde o início, havia sinais de que o principal alvo da operação receberia tratamento especial.

Tudo é discreto. Não há imagens. Não há agentes vestidos para matar ou armados até os dentes. As viaturas estão descaracterizadas. O ex-ministro entra e sai da PF sem que ninguém o veja.

Mudou o padrão? Será sempre assim? Ou a PF, quando atuar contra adversários políticos, volta a ser mais barulhenta? Alguém imaginaria um preso da Lava Jato não ser transferido para Curitiba por razão orçamentária?

A lealdade e a gratidão dos presos preservados pela PF são importantes para a blindagem da figura presidencial. Há motivos para envolvê-la na apuração de mais esta picaretagem político-religiosa. Jair Bolsonaro facilitou a entrada e a circulação de pastores corruptos no Ministério da Educação, livres para a prática de outra modalidade de garimpo de ouro.

O presidente deveria ser investigado também pelos impulsos que provocam oscilações drásticas no valor das ações da Petrobras. A selvageria verbal do chefe do Executivo —a União é acionista majoritária da companhia— aniquila regras do mercado: a CVM vai apurar, de fato, informações privilegiadas e ganhos ilícitos?

Segundo Bolsonaro, Bruno Pereira e Dom Phillips eram “malvistos” no vale do Javari —o que explicaria (sem justificar, é claro) os assassinatos brutais.

Jornalistas e ambientalistas são “malvistos” por grileiros, garimpeiros, pastores e empresários corruptos, incendiários, pescadores clandestinos, traficantes, milicianos, policiais assassinos e militares omissos.

Coincidência, Bolsonaro é benquisto justamente por esse pessoal, “excessivamente ambicioso” e entusiasmado com o desmanche institucional, tosco e maligno, promovido pelo governo.

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