Da FOLHA

Por LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO

Presidente prega desobediência como política pública

O perdão ao deputado Daniel Silveira é o ataque mais atrevido de Jair Bolsonaro ao cenário democrático.

Ridiculariza o Supremo Tribunal Federal e estabelece um estado de coisas inconstitucional, aparentemente insuperável. O presidente, que já manietava a Polícia Federal, as Forças Armadas e a Procuradoria-Geral da República, manipulando também regras de segredo de Estado para favorecer a delinquência mais próxima, firma-se agora como última e mais poderosa voz.

Príncipe da incivilidade, chefe supremo de todos e de tudo, Jair Bolsonaro estende o manto protetor da Presidência da República para aliados golpistas.

O perdão um dia depois da condenação mostra que decisão contrária não é mesmo para valer.

A senha é inconfundível. Não hesitem, ameacem: eu estou aqui, como um Deus, para amparar o futuro dos meus inocentes.

Bolsonaro estraga, desconstrói o Brasil. Logo haverá demanda para perdão de policiais que torturam ou matam suspeitos, de madeireiros que queimam florestas, de garimpeiros que estupram meninas indígenas.

A mesma mão que promete livrar o país do fantasma comunista —nas artes, nas escolas, na medicina, nos tribunais— é clemente para quem afronta a democracia. A mesma voz que acusa impiedosamente a corrupção de adversários é dócil, dócil demais, com corruptos amigos.

É o ápice da escalada golpista. Bolsonaro prega a desobediência como política pública. O descrédito da Justiça Eleitoral é essencial (em caso de derrota) para deslegitimar o resultado das eleições.

O Supremo estabelece marco temporal para a demarcação de terras indígenas? Bolsonaro anuncia que não vai cumprir. Em nome da liberdade de expressão, Bolsonaro manda juiz calar a boca.

A altivez politicamente criminosa de Jair Bolsonaro, às vezes vista como singelo exagero, é reafirmada nas vésperas da eleição para reacender (na hora do golpe) o sentimento plantado em diversos setores sociais —nos pontos de táxi, nas delegacias de polícia, entre milicianos, nas cooperativas agrícolas, nas corretoras de valores, nas igrejas, nos quartéis e, sobretudo, em entidades empresariais— de que a veia autoritária é sim um caminho viável (sempre passageiro, é claro) para o desenvolvimento do Brasil.

O emaranhado democrático de leis, tribunais e direitos atrapalha o empreendedorismo e a vida liberal.

São as homenagens ao deputado Daniel Silveira, imundo e perdoado, que formam o retrato mais constrangedor da distopia nacional.

Se as fotografias das comemorações na Câmara dos Deputados e no Palácio do Planalto fossem observadas pelo criador da criminologia científica, o médico italiano Cesare Lombroso (1835-1909), uma teoria antropológica baseada nas características (físicas, psíquicas, éticas e estéticas) dos apoiadores homens e mulheres de Jair Bolsonaro poderia ser construída para explicar a natureza da delinquência política no país.

Piadas a parte, parlamentares das bancadas da bala e da fé, eleitos pela poderosa ressonância do bolsonarismo no Brasil real, formam um agrupamento de delinquência política que, em matéria de desafio à lei e à ordem, só encontra paralelo em agrupamentos de delinquentes comuns, como o PCC e a máfia.

Paradoxalmente, “homens de bem” que se recusam a compartilhar valores morais do crime organizado, admiram e compartilham valores morais apodrecidos que as ventas do Marcola da política brasileira, Jair Bolsonaro, expelem sobre nós.

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