EDITORIAL DA FOLHA

Decisão afronta direitos de que se valem apoiadores de todas as candidaturas

Com uma argumentação pobre do ponto de vista jurídico e frágil no plano da lógica, o ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral, tentou impor censura prévia ao Lollapalooza, festival musical realizado em São Paulo.

Atendeu com isso a demanda dos advogados do presidente Jair Bolsonaro (PL), que procuraram o TSE no sábado (26) devido a alegada propaganda eleitoral antecipada e pediram que manifestações políticas fossem proibidas nos shows.

Na véspera, as cantoras Marina e Pabllo Vittar tinham aproveitado o palco do festival para atacar o ocupante do Palácio do Planalto e enaltecer o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Faziam uso da liberdade de expressão e manifestação artística, um direito protegido pela Constituição —e do qual se valem também os apoiadores de Bolsonaro, do área cultural ou não.

O TSE não costuma ter dificuldades para compreender o óbvio. Seu presidente, o ministro Edson Fachin, lembrou que a posição do tribunal é de “rechaço pleno e firme de qualquer forma de censura”.

Daí por que causou espécie a decisão de Araújo. Mesmo que o direito não seja uma ciência exata, alguns parâmetros devem ser seguidos para que as sentenças não se confundam com meras canetadas nem expressem o puro arbítrio dos magistrados.

Araújo se descolou de todas as balizas que deveriam guiar sua argumentação. Contrariou a Constituição e os princípios nela elencados, ignorou normas que tratam diretamente do assunto e deu de ombros para a jurisprudência do colegiado a que pertence.

Por fim, afastou-se de seu próprio histórico de interpretação liberal da lei: em fevereiro, ele havia negado pedido do PT para retirar outdoors de apoio a Bolsonaro, embora a legislação expressamente vede a utilização dessas placas.

Para piorar, nem bem a canetada de Araújo tinha secado e Bolsonaro participava de ato partidário, no domingo (27), que havia despertado preocupações de sua própria equipe jurídica, diante dos riscos de vir a ser considerado campanha eleitoral antecipada.

A lei não permite que se peça voto explicitamente antes de 16 de agosto. O presidente não chegou a violar essa norma, mas discursou como candidato e atacou Lula, seu principal adversário no pleito.

Se a concomitância dos eventos já colocava em xeque a ação bolsonarista e a decisão de Araújo, artistas e público do festival trataram de debochar de seu conteúdo e demonstrar como, na prática, a ordem não poderia ser cumprida.

Mas daí não decorre que o assunto deva ser dado por superado. Decisões que pretendam retomar a censura precisam ser expostas como um retrocesso obscurantista e rejeitadas pelas cortes. Fachin, felizmente, indicou ter consciência de sua responsabilidade.

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