Da FOLHA

Por ELIO GASPARI

Juiz que simbolizou a Lava Jato com seus méritos conclui que a operação ‘foi vítima de suas virtudes, e não de seus erros’

Sergio Moro está em campanha e tomou uma rara iniciativa: publicou um livro escrito por ele, explicando-se e apresentando-se.

O epílogo diz tudo. Seu título é “Precisamos de você”, e a última frase é um pedido de ajuda: “A luta contra o sistema de corrupção nunca poderá prescindir de bons combatentes, entre eles você”.

Moro fala muito bem de si. Saem mal de seu livro o Supremo (quando o declara parcial), o Congresso (quando altera suas propostas) e Jair Bolsonaro (quando fritou-o).

A Sergio Moro ele concede um mecanismo que condena, a “presunção de inocência à brasileira”: Ela “é apenas uma construção interpretativa que visa garantir a impunidade de crimes cometidos pela classe dirigente”. Todo mundo é culpado de tudo, menos Sergio Moro.

Ele justifica suas sentenças e defende com argumentos que parecem insuficientes o fato de ter patrocinado a exposição da interceptação telefônica de uma conversa de Lula com a então presidente Dilma Rousseff quando o prazo legal da escuta já tinha caducado.

Não foi ele quem autorizou a publicidade. Vá lá, mas quem foi?

O juiz que simbolizou a Lava Jato com seus méritos históricos conclui que a operação “foi vítima de suas virtudes, e não de seus erros”.

Moro trata do episódio que pode ter sido o maior erro do campeão da Lava Jato: sua ida para o ministério de Jair Bolsonaro.

Referindo-se à retórica de Bolsonaro durante a campanha de 2018, quando era um magistrado, ele diz:

“Não imaginei, nem por um minuto, que aquelas declarações, muitas delas completamente absurdas, reverberassem em políticas públicas concretas. Havia uma distância entre discurso e gesto que me dava algum conforto.”

Tudo bem, mas como Bolsonaro não mudou, o juiz que aceitou, entre o primeiro e o segundo turno, o gesto do convite para o ministério, acreditava que o capitão estava enganando a plateia. O tempo mostrou que o juiz enganou-se achando que enganava-se o eleitorado.

Relembrando o aparecimento do rolo das “rachadinhas”, na primeira semana de dezembro de 2018, Moro diz: “Àquela altura eu já havia deixado a magistratura e estava na equipe de transição do governo. Não havia como voltar atrás.” Haver, havia, ficou porque quis.

Moro menciona em seu livro mais filmes e séries de TV (oito) do que marcos da jurisprudência. Em nenhum deles o herói se deixou fritar.

Tendo entrado no governo de um presidente que dizia absurdos durante a campanha, perdeu a confiança nele quando começaram a trabalhar juntos: “Eu não poderia confiar nele”, ou “não havia como confiar mais no presidente”.

Moro registra que Bolsonaro também mostrava não confiar no seu ministro da Justiça. Essa desconfiança seria maligna, enquanto a de Moro em Bolsonaro, benigna. Jogo jogado, afinal, o livro é dele.

Lê-lo pode ser um pouco agreste, mas ajudará a acompanhá-lo na campanha do ano que vem.

Ele não conta tudo, mas solta insinuações e avisa: “Quem sabe algum dia eu escreva um relato mais abrangente e detalhado, abordando fatos sobre os quais fica muito difícil me posicionar no momento”.

Tomara que isso aconteça logo. Falta contar com fatos, porque Bolsonaro queria interferir na Polícia Federal.

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