De O GLOBO

Por ASCÂNIO SELEME

A cada nova investida, Bolsonaro dá um passo a mais em direção à ruptura da estrutura política do Estado. Tem tudo para fracassar e vai fracassar.

Que ninguém duvide, o presidente Jair Bolsonaro vai tentar dar um golpe para manter o poder pela força. Pode não ser já, mas ocorrerá antes ou logo depois das eleições de outubro do ano que vem. Os sinais são tão claros que é difícil fazer uma interpretação diferente. Todos os ataques a instituições da democracia brasileira testam seus limites. A cada nova investida, ele dá um passo a mais em direção à ruptura da estrutura política do Estado. Tem tudo para fracassar e vai fracassar. Faltam-lhe apoio político, popular e mesmo militar. Mas isso não o impedirá de tentar. Quanto mais se afasta de uma vitória eleitoral, mais aguçado fica sua sanha golpista.

Nesse momento, segundo todas as pesquisas, o presidente perde feio para Lula no primeiro turno e de lavada no segundo. Perde também no segundo turno para Ciro Gomes, João Doria, Luiz Mandetta e Eduardo Leite, de acordo com pesquisa encomendada pela XP ao Ipespe. Deve perder para qualquer um outro que se habilite a disputar o segundo round da eleição presidencial porque Bolsonaro é também o homem mais odiado do Brasil. Hoje, 64% dos brasileiros rejeitam seu governo e 56% consideram sua administração ruim ou péssima, mostra enquete do PoderData. Diante dos números que pioram a cada mês, pode ser até que o presidente nem se qualifique para o segundo turno, o que seria inédito.

Nesta semana, dois dos ministros-generais mais próximos de Bolsonaro dissertaram sobre ditadura em audiências na Câmara dos Deputados. Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, disse que “ditadura é uma questão de semântica”, chamando aquela era das trevas de “regime militar de exceção”. Walter Braga Netto, da Defesa, foi mais longe. “Não considero que tenha havido uma ditadura. Houve um regime forte”, disse ele para espanto da comissão em que depunha na Câmara. Com esses dois Bolsonaro poderá contar quando perceber definitivamente que sua única alternativa é tentar manter ou tomar o poder na marra.

Por muito menos ele já tentou dar um golpe antes. No dia 22 de maio do ano passado, segundo relato da repórter Monica Gugliano publicado na edição de agosto de 2020 da revista “Piauí”, Bolsonaro chamou ao seu gabinete Braga (então na Casa Civil), Ramos e Augusto Heleno (GSI) e avisou que iria “intervir e dissolver” o Supremo Tribunal Federal. Ele estava transtornado porque naquela manhã, o ex-ministro Celso de Mello havia consultado a Procuradoria-Geral da República sobre a possibilidade de mandar apreender o seu celular e o do seu filho Carlos, o zerinho deputado.

O pedido de Celso de Mello era parte da investigação sobre a interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, segundo denúncia do ex-ministro Sergio Moro. Os generais que ouviram a ameaça do presidente reagiram de maneiras distintas. Ramos, o amigão, concordou que aquela seria a única forma de restaurar a autoridade do presidente. Braga disse que o Supremo estava indo longe demais. Coube a Heleno segurar o capitão. “Não é momento para isso”, teria dito Heleno. Não que ele fosse contra um golpe, mas não considerava aquela a hora mais adequada. No mesmo dia, o velho general disse em nota ver “uma afronta à autoridade máxima do Poder Executivo e uma interferência inadmissível de outro Poder”.

Até outro dia, apenas a imprensa, a OAB, a ABI e outras instituições da sociedade civil, além de alguns partidos e parlamentares, repudiavam os torpedos de Bolsonaro contra a democracia. Hoje, ele é contestado publicamente pelo STF e outros tribunais superiores que se insurgiram contra a retórica golpista. E a sua jornada antidemocrática também perdeu apoio no Congresso, apesar da falta de iniciativa do maior passador de pano da República, o deputado Arthur Lira. Mesmo este, contudo, já deixou claro que nenhuma tentativa de ruptura institucional terá seu apoio. Bolsonaro vai tentar, está claro que vai. Mas fracassará.

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