Da FOLHA

Por FLÁVIA BOGGIO

O mesmo governo que pede eleições transparentes impôs sigilo centenário no acesso aos crachás que entraram no Planalto

Na terça-feira (10), o presidente tentou intimidar a votação da PEC do voto impresso promovendo um desfile de tanques.

O que era para ser uma demonstração de poder foi um fracasso, com tanques soltando fumaça preta de óleo diesel e veículos que mais se pareciam com caminhões de feira. Os militares poderiam poupar os soldados de tal humilhação e mandá-los de volta à pintura de meios-fios de calçadas.

Já Bolsonaro caiu no velho clichê do macho com complexo de pequenez peniana. O mesmo mal afeta o marmanjo que dirige carro importado barulhento ou pilota moto grande.

O curioso é que o mesmo governo, que pede “voto impresso em papel e auditável”, determinou um sigilo de cem anos da carteira de vacinação do presidente. Só em 2121 os brasileiros —do futuro, porque ninguém aqui estará vivo— saberão se o presidente se vacinou contra a Covid-19, em meio a uma das piores crises sanitárias da história.

Esse mesmo governo, que pede “eleições transparentes e democráticas”, impôs sigilo centenário no acesso aos crachás que entraram no Palácio do Planalto. Só daqui a um século os cidadãos —ou melhor, os netos dos cidadãos, talvez bisnetos— saberão quando e por que os filhos mais velhos do presidente têm livre acesso ao gabinete da Presidência.

Para o governo, o voto deve ser auditável, mas só daqui a cem anos poderão ser divulgados os nomes dos servidores que postam no perfil do Twitter da Secom. Nós já teremos virado pó, então nunca saberemos quais pessoas ligadas ao gabinete do ódio, supostamente comandado por Carlos Bolsonaro, usaram o canal oficial para espalhar fake news.

O mesmo Exército dos tanques de fumaça preta determinou que só em 2121, daqui a um século, abrirá o processo disciplinar que absolveu Eduardo Pazuello. Só daqui a um século alguém do futuro, sabe-se lá quem, descobrirá por que o ex-ministro da Saúde participou de uma manifestação em apoio ao presidente, o que é proibido pelo regulamento militar.

E assim acompanhamos de perto a derrocada da democracia. Mesmo que ela seja a bordo de veículos enferrujados.

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